A vila de Utinga pertence ao município da
Barra. É banhada por um canal, braço do
Rio São Francisco.
Foi em Utinga que vi, pela primeira vez e única, Dom Luiz Cappio. Era um dia de festa da padroeira do lugar - Nossa Senhora da Imaculada Conceição - e o frei celebrava a missa enquanto o povo soltava foguetes e rojões. Um mastro erguia-se em frente da igrejinha de estilo barroco, construída no século XIX.
Não me aproximei de Frei Luiz, mas ouvi,
atentamente, de longe, o seu sermão em linguagem atingível para aquela
comunidade simples de fiéis sertanejos.
A figura emblemática daquele frade franciscano
confundia-se com as minhas leituras sobre teologia da libertação da qual jamais
fui militante, embora seja simpatizante ardoroso da libertação do Rio São Francisco
ante aos projetos fantasiosos que lhe impigiram. Quem vive ou viveu nas
barrancas são franciscanas, não precisa se debruçar nos tratados
elaborados por palpiteiros tecnocratas fincados
nos gabinetes refrigerados de Brasilia, para saber que as águas do nosso rio
são sagradas e intransponíveis. É um dogma inatingível pelos ímpios
forasteiros que desconhecem os seus segredos.
Somente eles, os ímpios, foram favoráveis à sangria do Velho
Chico, apelidada de transposição. Os nossos irmãos do nordeste setentrional são
historicamente lesados na sua boa-fé pelos poderosos de plantão que sempre os
enganaram e ainda persistem com as suas artimanhas mirabolantes. A “indústria
da seca” poderá gerar a “indústria das águas” com a injeção de
bilhões de reais que, decerto, se evaporará nas algibeiras fundas, hipócritas,
dos homens de ventres avantajados pela gordura da corrupção.
Do alto da serra de Santo Inácio, Frei Luiz teria a
mesma visão de São Francisco que do alto da cidade de Assis contemplou a beleza
da planície ao seu redor e amou a natureza sem artifícios.
Ao deixar a vila de Utinga naquele dia de festa,
tive o pressentimento de que jamais voltaria ali pelo rio, pois as dificuldades
para alcançarmos a ipueira de Xiquexique, navegando pelo canal, somadas aos
bancos de areia, quase impediram o nosso barco
de chegar ao porto da Ponta das Pedras. Mesmo assim, a fé me removerá até Utinga, em peregrinação, para rezar pelo Velho Chico na Capela da Imaculada Conceição.
Nilson Machado de Azevedo
Nilson Machado de Azevedo
1 comentários:
Meu Velho, meu Velho Chico,
2/2/15 06:27Quem te viu e quem te vê!...
Não dá mais para acreditar!
Quem quiser te conhecer,
Pois esqueceram de ti,
Tão magro como um faquir
De ti querem esquecer.
Onde está o Velho Chico
Com seus navios a vapor?
Acabou-se o turismo
E o povo dispersou
Em busca de um bom emprego,
Pois aqui virou degredo
E a seca tudo acabou.
Se esse rio morrer
Morre o povo do sertão
Tudo aqui vira deserto
Culpa da desmatação.
Esgotos podres a jorrar,
Tantos lixos a amontoar
Sem nenhuma correção.
Estão desviando o rio
Pros estados nordestinos...
Mas quem vai ganhar na história?!
São as empresas dos sovinos;
Os protetores vêm à tona,
Todo lado já se soma
De homem, mulher e meninos.
Só pensam já no desvio
Se achar que é ruim ou não
Ninguém conhece o problema
Só viajam de avião;
Esse rio que é tão valente,
Com seu povo tão prudente,
Sofredor cá do Sertão.
Ele é o Nilo Brasileiro
O maior rio da Nação,
Também o mais poluído
Dentre lago e ribeirão;
O pescador sofredor
Lamenta ver tanto horror!
Cadê o Peixe, meu irmão?!
São Francisco Brasileiro
Tenha pena e tenha dó!
“Se és o Santo de Assis”
Não deixe teu povo só!
Eu vou fazer uma prece
Pra ver se o céu escurece
Pra acabar com esse pó.
MORTE DO VELHO CHICO.( livro publicado em Carinhanha/Ba)
Poesia de cordel de:
Honorato Ribeiro dos Santos(Zé de Patricio)
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