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O Complexo de Vira-Latas

2/03/2014

O escritor Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro sofre do complexo de vira-latas: "Por complexo de vira-latas entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo". Afirmava, também, Nelson Rodrigues que nós nos consideramos a escória do mundo. Andando sem eira nem beira, sem origem nem destino.

Uma das áreas em que esse complexo de vira-latas estaria mais vivo é a da corrupção. Existe um sentimento difuso de que "corrupção é coisa de Brasil", "coisa de brasileiro", "vergonha universal". 

Mas não é bem assim. 

Infelizmente, corrupção é um mal global do século. Rankings e índices internacionais costumam classificar nossa administração pública como uma das mais corruptas do mundo. E é de se  afirmar que isso aumenta o custo Brasil e dificulta fazer negócios por aqui. Para que esses índices fossem críveis, seria preciso um conceito universal do que é corrupção.

Tornar-se-ia necessário também uma base de respondentes, de entrevistados, que fosse metodologicamente homogênea. O que não existe. 

Em geral, apenas é ouvida uma elite de consultores e de interessados pré-selecionados. É uma amostra enviesada, sem representatividade maior. Mas que tem alta instrumentalidade política.
Quem leu na semana passada os principais jornais econômicos norte-americanos e ingleses, ou os noticiários internacionais, com certeza ficou espantado com o imenso número de notícias sobre corrupção que inundam diariamente o mundo econômico e o mundo político.

Não vamos falar sobre a corrupção recente na presidência e nos ministérios da Alemanha. Nem sobre o Banco do Vaticano. Nem sobre as relações ilegais entre o governo inglês e o News Corporation. Nem sobre a família real espanhola. Tampouco sobre os casos de Berlusconi reacusado agora de coagir testemunhas.

Não vamos falar dos superempresários russos colocados na cadeia. Nem dos presidentes franceses Jacques Chirac e agora Nicolas Sarkozy a responder na Justiça. Ou do primeiro-ministro alemão, Helmut Kohl, réu confesso, mas além de qualquer suspeita. Ou do tio do Kim Jong-un da Coreia do Norte, condenado à morte por corrupção, ou do ministro Liu Zhijun, da China, também condenado pelo mesmo crime.

Vamos falar da corrupção do dia a dia da política comum. O futuro candidato a presidente dos Estados Unidos, o governador de New Jersey, Chris Christie, do partido Republicano, está sob investigação por ter usado recursos públicos para coagir adversários. E mais: por ter mandado fechar uma ponte, para que a população se revoltasse contra o prefeito, adversário dele, do partido Democrata.

O ex-prefeito de Nova Orleans, Ray Nagin, volta a ser julgado por malversação dos recursos públicos para restaurar a cidade depois do furacão Katrina.

Um vereador de estado do norte, que foi condenado criminalmente, cumpre pena na prisão, mas não renuncia. O ex-governador Rod Blagojevitch, do estado de Illinois, Estados Unidos, encontra-se cumprindo pena de prisão por tentar vender a vaga no Senado que ficara vazia com a eleição de Obama, ao invés de indicar um sucessor.

O prefeito Rob Ford, de Toronto, no Canadá, além de alcoólatra, aparece, provavelmente, drogado por drogas ilícitas, em público. O ministro de Orçamento do presidente francês, François Hollande, é acusado de ter conta não declarada na Suíça. E por aí vamos.

Muitos norte-americanos consideram a corrupção doença endêmica da própria sociedade americana. Usam até uma palavra: "greed", ganância, para justificar a humanidade, ou a desumanidade da corrupção. Que atinge vira-latas ou não. Como combatê-la é a tarefa comum a todos.

Nessa empreitada, dois pontos são decisivos. Primeiro, a livre imprensa e as mídias sociais. Os casos de corrupção do dia a dia da política estão vindo à tona, em geral, por meio da internet, com repercussão da mídia tradicional. E tendem a aumentar.

O outro ponto importante é ainda a muito frágil capacidade dos Ministérios Públicos de investigar os pormenores com o tempo e a expertise necessários. A corrupção, enquanto se banaliza, se sofistica. Não é preciso doutrinas ou  argumentações legais. É preciso saber coletar fatos e buscar a coragem da verdade. 
Nesse campo, o mundo todo ainda é vira-lata.


Fonte: Correio Braziliense

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