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Mocambo dos Ventos

1/28/2015


Tua terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá

Na minha, mandacaru
umbuzeiro e pé de juá.


Manhã de sexta-feira. Mestre Chiquinho, numa só manobra, encostou a barca "Sereia da Ipueira" no barranco do porto do Mocambo dos Ventos. Havíamos deixado, antes do nascer do sol, a Ilha do Miradouro e o estreito do canal do Guaxinim. Já estávamos distantes do porto da Ponta das Pedras, em Xiquexique, ponto de partida e de recolhimento da âncora da nossa embarcação.

Ali no alto do barranco, debaixo de uma mangueira que resistia, inexplicavelmente, à força dos ventos e da areia que formavam as dunas, iniciávamos o ritual de pescadores, o ensaio do preparo da sapeca de peixe, ao acender o fogo  para formar a brasa  sob uma improvisada forquilha para assar os mandins, curimatás, pirás e piranhas bebas, pescados com rede de  tarrafa.

Acercaram-nos alguns nativos, moradores do Mocambo. Traziam um garrafão de aguardente, uma manta de carne de bode salgada e farinha de mandioca preparados ali mesmo ao sabor e ao sopro dos ventos.

Mestre Chiquinho não recusou  a aguardente brejeira. De minha vez,  para não fazer desfeita ao  povo do Mocambo, aceitei, também,  de bom grado, uma talagada da catuzeira,  relíquia artesanal que ainda cheirava à cana caiana dos brejos do Icatu.

Os nossos simpáticos anfitriões, orgulhavam-se em relembrar  que a localidade do Mocambo dos Ventos era de origem quilombola e  hoje habitada pelos descendentes dos escravos .

Apesar dos meus esforços em demonstrar naturalidade nativa, confundiram-me com um  turista, pois a máquina fotográfica, a bermuda estampada, o boné e os óculos escuros denunciaram-me escancaradamente. Logo eu que tenho fama, sem proveito,  de ser marxista, desde  que Marx dizia ser  Marx apesar de pintado  em cor verde-amarelo.

Nos intervalos de cada prosa, debaixo de frondosa mangueira, de cada dose de aguardente e dos sucessivos mergulhos no rio que marulhava ali em frente, contavam-me causos fantásticos envolvendo pescarias, assombrações, mistérios, lutas, mitos e lendas do Velho Chico, representando  uma identidade particular, única, dos heroicos descendentes de antigos escravos  

Um dos causos a mim narrados pelos mucambenses dizia respeito á lenda de Romãozinho.
Reproduzo, resumidamente:

Romãozinho era um menino endiabrado, filho de um casal de lavradores. O pai trabalhava de sol-a-sol na roça e romãozinho era encarregado de levar-lhe diariamente a refeição. A mãe sofria muito com as traquinagens do filho e a brutalidade do marido que a espancava por qualquer "dá cá aquela palha". Romãozinho gostava de ver sua mãe apanhar e, por isso, provocava brigas entre os seus pais.

Todos os dias que ia levar a comida para seu pai na roça, o capeta do menino comia a metade pelo caminho, razão pela qual o pai tinha sempre um motivo para espancar a mulher quando chegava em casa á noite, alegando que ela era uma pessoa mesquinha e que queria matá-lo de fome. A mulher retrucava que mandava comida suficiente e isso aumentava a raiva do marido.

Certo dia, a pobre mãe matou uma galinha e preparou a capricho, mandando-a inteirinha para o marido. Romãozinho comeu tudo no caminho e chegando ao local do trabalho, onde o pai, faminto, o esperava, apresentou-lhe apenas os ossos da galinha, disse: ela manda dizer que se contente com os ossos, pois a carne guardou para o vigário.

Mal acabou de ouvir o que o filho lhe dizia, o homem saiu como louco e, chegando em casa, matou a mulher. No momento exato em que o marido matava a esposa, o mau filho estourou, deixando atrás de si um horrível cheiro de enxofre.

Desse dia em diante Romãozinho começou a aparecer às pessoas, fazendo boiadas arrebentarem os currais, virando panelas no fogo, furando vasilhames de água e jogando pedras nos telhados das casas. Ele virou bicho aos doze anos de idade e quando toma birra com uma pessoa ela tem que se mudar de terra.

Aquela altura, depois de ouvir, atentamente, a história de Romãozinho, urgia molhar a garganta e beliscar um churrasquinho de carne de bode, ali na beira do rio. Para minha surpresa e dos demais, a cachaça e os tira-gostos desapareceram num encanto.

Ainda ouvimos uma gargalhada estridente, que ecoava na curva do rio, enquanto regressávamos  ao porto das Pontas das Pedras.


Ao anoitecer chegamos  a  XiqueXique em tempo, ainda,  de vermos o deslumbrante por do sol que se descortinava  no horizonte  da ipueira. 
Na Avenida J.J. Seabra,  já refeito do susto, fui induzido a fechar o corpo, com  um brinde de januária,  no bar de Manezim, rezando alguns benditos e, em especial, o Salmo Noventa e Um.

Nilson Machado de Azevedo
 

2 comentários:

Anônimo disse...

Nesse dia eu tava pescando em riba de um canoa e vi Nilson tomando umas goró e chêi dos pau, la no Mocambo. As goró fez ele ver o tal do Romãozinho.rsrs

10/12/14 14:31
Anônimo disse...

Largue de menti, seu fi- duma- égua, Ele só bebe é guaraná de tubaína.

10/12/14 14:59

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