Os golpes do passado aconteciam na calada da noite
e surpreendiam o pais. Agora estamos na iminência da deposição legalizada da
presidente eleita e um país cansado da crise na elite política conta as horas
que faltam para o desfecho.
Parlamentares e ministros do PT denunciam a guerra
psicológica para criar o efeito manada entre as bancadas e asseguram ter cerca
de 200 votos para barrar o impeachment. O outro lado diz ter votos de sobra.
Ninguém sabe ao certo. Mais de cem deputados se ocultam na condição de “indecisos”
para se livrar das pressões e pular no barco vencedor. Estes são os que não
suportam viver fora de um governo, qualquer governo. Seja qual for o
resultado, o Brasil não vai ao paraíso. Pelo contrário. Tempos mais
amargos podem vir.
Nada indica que um dos lados vai ganhar de lavada
como em 1992, quando havia o quase consenso contra Collor. O país continuará
cindido no eventual governo biônico de Michel Temer e a bronca do anti-petismo
dará lugar ao ressentimento das esquerdas, do movimentos sociais, dos que
resistiram ao rompimento com a vontade popular.
Haverá uma “visita da saúde” na economia, com bolsa
subindo e dólar caindo no momento imediato. Já os problemas estruturais
não serão resolvidos com a eventual remoção de Dilma Rousseff do
Planalto. Logo depois, quando começarem os sacrifícios anunciados por
Temer, as ruas ferverão contra ele. Aliás, quem vai ferver é a Esplanada, logo
depois de anunciado o resultado de domingo. O perigo mora ali, no espaço
separado pelo muro da intolerância.
É lorota dizer que tudo vai melhorar já no domingo,
se o golpe triunfar, como estão a dizer tantos arautos do oportunismo na
tribuna na Câmara. Não é verdade que as instituições sairão fortalecidas.
Sairão esfarrapadas. O recurso a um impeachment sem base jurídica consistente é
prova de que o sistema político não tem capacidade para enfrentar crises.
Será preciso consertá-lo mas, quem se dispõe? As regras da convivência
democrática estão rotas. Não será o governo de Temer, carimbado como golpista e
traidor, que conseguirá a superação da polaridade.
O PMDB, que sem votos para eleger um presidente se
locupletou nos governos de todos os que se elegeram a partir de 1989, agora se
prepara para dominar sozinho as arcas do poder.
O PSDB não dá o braço a torcer mas não era este o
seu plano de vingança contra a derrota de 2014. O que buscou foi uma nova
eleição que lhe devolvesse a chance perdida com Aécio Neves. Acabou porém
tornando-se força auxiliar da engrenagem montada por Cunha e Temer. Passando o
impeachment, terá que ajudar a sustentar um eventual governo Temer. Se
não sobrevier o caos, Temer será candidato à reeleição, reduzindo as chances de
vitória dos tucanos. Sobrevindo os tempos amargos que parecem inescapáveis,
será sócio de um governo impopular.
Os partidos médios que estão desembarcando do
governo serão os mais desiludidos. Não haverá espaço para eles num governo que
terá de contentar todas as correntes e apetites do PMDB, além dos “notáveis”
que Temer fala em nomear.
E, por fim, os indignados com a corrupção que se
preparam. A Lava Jato sairá aos poucos de cena, alguns petistas ficarão na
cadeia e a vida seguirá. Terão se salvado todos os denunciados e delatados,
especialmente os do PMDB. Quando a turma que xinga Lula de ladrão
na Paulista perceber, a página já virou.
Falando em PMDB, é infinita a lista dos que não têm
mesmo nenhum pudor ou constrangimento na incoerência. Mas o filho de Sergio
Cabral, o governador que Lula mais ajudou, votar a favor do impeachment é
realmente um emblema do pragmatismo na política.
Daqui até domingo, e especialmente no domingo, a
miséria da política vai se revelar em toda a sua extensão. Ela se revela nestas
horas, na certeza de que o acessório ofuscará o essencial.
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