O CHEIRO DE POBRES E O SINAL DOS TEMPOS (Tereza Cruvinel)
Quando
disse que quase vomitou com o cheiro de um pobre que tentou ajudar colocando-o
em seu carro, o candidato a prefeito de Curitiba pelo PMN, Rafael Greca, apenas
disse em voz alta o que muitos sentem, mas não dizem neste Brasil esquisito que
está surgindo.
-
Eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a
primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa
do cheiro – disse Greca num debate. Depois, alegou que a frase foi
descontextualizada.
De
fato, como disse em artigo sobre esta confissão insólita o jornalista José
Carlos de Assis, nunca pensamos que Justo Veríssimo, o personagem politicamente
incorreto de Chico Anísio, iria nos aparecer um dia na pelo de um candidato
real. “Detesto pobre. Pobre tem que morrer”, dizia Justo Veríssimo lá pelos
anos 80. Ele era a síntese do politicamente incorreto porque o Brasil era
outro. Havia saído da ditadura e tentava ser um país melhor. Uma nova
Constituição lançara as bases de um Estado de bem-estar social. Longe de
fortalecer preconceitos, pelo contrário, os absurdos ditos por Justo Veríssimo
fortaleciam a rejeição ao elitismo e estimulavam o sentimento construtivo da
fraternidade.
Uma
parte dos brasileiros começou a externar sua ojeriza aos pobres justamente
quando um presidente, agora também perseguido, implantou as mais aguerridas
políticas de combate à pobreza que o pais já teve. E aí começaram as lamúrias
da classe média conservadora contra os pobres. Ganhavam Bolsa Família e não
queriam mais trabalhar. Ascendiam socialmente e entupiam os aeroportos,
entrando esmolambados e de chinelas nos aviões, sentando-se na poltrona errada.
Com o Pro-Uni, deram para ingressar em faculdades privadas. Com as cotas, os
pobres e negros, pois uma coisa anda junto com a outra, passaram a disputar com
favorecimento vagas nos concursos e nos vestibulares. Deram para frequentar os
shoppings, e com esta invasão de produtos chineses, para desfilar com falsas
bolsas da Chanel e da Louis Vuitton. Com a isenção do IPI, compraram seus
carrinhos e contribuíram para infernizar o trânsito. Ah, estes pobres metidos a
besta. E estas domésticos, exigindo jornada de oito horas e FGTS
regulamentados pela Dilma...
O
que Greca verbalizou foi este sentimento coletivo difuso contra os pobres, que
deixou de ser politicamente incorreto.
Agora,
tudo está voltando ao normal, devem dizer aliviados para seus próprios botões.
O desemprego colocou muitos pobres em seu devido lugar. A recessão levou de
volta para as casas das famílias muitas domésticas que haviam conseguido emprego
no comércio, na indústria e na construção civil. Estes programas sociais, mais
dia, menos da, vão ser restringidos na era da austeridade fiscal.
O
que Greca disse – que preferiu transferir para a Igreja Católica a gestão de um
abrigo social – está sendo dito com eufemismos pelos novos donos do poder
político: O Estado tem que ser mínimo e deixar que estes problemas sejam
resolvidos pelo mercado. No máximo, pelas Igrejas, as Ongs e outras
organizações que gostam de pobres e não vomitam ao sentir o cheiro deles.
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