Munidos de um power point colegial, os promotores da Lava-Jato tentam impedir que as urnas de 2018 submetam o nome de Lula ao escrutínio popular.
O conflito com as ruas
e com as urnas está inscrito na natureza constitutiva do golpe em curso no
Brasil, cuja fidelidade pertence aos detentores da riqueza, não ao país,
tampouco a sua gente
A agenda de expropriação de direitos e
alienação de patrimônio público que define essa endogamia não pode ser
submetida às urnas — nas quais já foi derrotada em quatro eleições
presidenciais sucessivas. Menos ainda à convivência política com aquele que
personifica esse antagonismo na alma e no coração do povo brasileiro: Luiz
Inácio Lula da Silva, uma liderança de carne e osso, com os limites da carne e
do osso, mas ainda assim a maior liderança popular da nossa história, porque
levou mais longe o compromisso com a igualdade social.
Pepe Mujica, em uma de suas viagens ao Brasil,
carimbou no golpismo, então ascendente, uma advertência lapidar: ‘Devemos
desconfiar sempre dos que pretendem corrigir o voto popular'.
Munidos de um power point colegial, e de uma
retórica de macarthismo imberbe, os proficientes promotores da Lava Jato se
avocaram nesta quarta-feira, mais uma vez, o papel execrado por Mujica.
Na condição caricata, acentuada pela retórica
de polícia política, lançaram-se ao derradeiro esforço de entregar a encomenda
contratada desde o início à Operação Lava Jato: impedir que a urna eletrônica
de 2018 submeta mais uma vez o nome de Lula ao escrutínio popular.
A derrubada da Presidenta Dilma foi o degrau
anterior dessa buliçosa empreitada, que está condenada a ir além de todos os
limites constitucionais
Por uma razão bastante forte: o projeto golpista não é incompatível apenas com uma disputa em terreno limpo contra Lula e contra o que ele representa.
Ele é alérgico ao contato direto com o povo e
com a soberania, pelo simples fato de que nasceu para ir contra a vontade do
povo brasileiro.
O passo seguinte dessa escalada — não é
temerário prever — conduzirá ao enjaulamento do processo político, trazendo
para o quórum seguro de uma escória parlamentar, a eleição do sucessor de
Temer, pelo voto indireto, protegido do veredito da sociedade e blindado contra
o clamor da rua.
Delações coagidas e culpas presumidas,
amarrotadas em um power point infantilizado, avultam dos labirintos jurídicos
da Lava Jato, onde o desejável combate à corrupção foi abastardado em alavanca
partidária de execração política para o banir lideranças e forças populares
incompatíveis com o Brasil das elites.
A destruição da maior liderança popular da
história brasileira é um imperativo da empreitada grosseiramente previsível.
Para cumpri-la empunha-se a lei do vale tudo.
O senhor Dallagnol condensou essa determinação
omnívora — peculiar ao código de uma comunidade legal que defende ‘provas’
obtidas por meios ilegais — em uma sentença que permite interpretar como: 'Não
temos prova, temos a convicção'.
Qual? A de que Lula era o cérebro, o ‘comandante máximo’, o general de todo o suposto esquema de corrupção na Petrobras — que começou antes de seu governo, mas isso não vem ao caso, nem cabe nos esquematismos de um power point colegial.
Vem ao caso, porém, na defesa do Estado de
Direito.
Quando o Ministério Público se propõe acusar
tão gravemente um ex-presidente da República de ser o “chefe máximo da
corrupção no país” e o faz na fase inaugural da persecução criminal, que na
verdade não investigou e muito menos denunciou tal conduta criminalmente
condenável, portanto, sem possuir provas ou indícios, o Estado de Direito
grita.
E deveria ser ouvido.
Ao senhor Dallagnol cumpriria uma voz da
Suprema Corte advertir que 'convicção' para condenar quem forma é o juiz. Tão somente
o juiz.
Pelo menos no Estado de Direito em vigor no
país é assim.
Não o era na OBAN, durante a ditadura. Não.
Ali, nas salas de tortura, um delegado, Sérgio Paranhos Fleury, formava suas
convicções. E as executava, como sentenças inapeláveis, com as próprias mãos.
Hoje a imprensa coorporativa também possui
convicções e as executa, com suas próprias manchetes.
O senhor Dallagnol não é juiz; Sérgio Moro não
é Sérgio Fleury; a República de Curitiba não é a OBAN.
Mas arvora-se, neste caso, o direito de
condenar, repita-se, um ex-presidente da República como 'general supremo' de um
esquema de corrupção, no qual teria auferido propinas no valor de R$ 3,7
milhões.
Apenas um dos supostos subalternos seus — pois
todos o seriam na fábula macartista dos promotores de power point — como lembra
a jornalista Helena Chagas, citando Pedro Barusco, pagou só de multas à Lava
Jato, cerca de U$S 100 milhões de dólares.
Que ‘general’ é esse, cujo soldo é cem vezes
inferior ao de um soldado?
Seria apenas ridículo, se não fosse um
atentado à democracia.
A precariedade evidenciada no amadorismo de um
power point é tamanha que o juiz Moro, em nome da sua reputação, terá
dificuldade em aceitar a denúncia ancorada em retórica adjetiva, a dissimular a
inexistência de provas efetivas, principalmente porque esse fato não faz parte
das investigações e da denúncia.
Mas Moro o fará, pela simples razão de que
para isso se constituiu a Lava Jato. Ademais, aceitação não é condenação.
A falta de provas de que o ex-Presidente seria
o “general da corrupção”, todavia, deveria constranger um guardião do Estado de
Direito.
Ela avulta não apenas da convicção de
Dallagnol. Mas sobretudo, do fato de não se ter requerido a prisão de Lula.
Não faz sentido o Ministério Público Federal
não pedir a prisão de um réu tipificado como comandante máximo do exército de
corruptos da nação. Não o fez porque não tem provas e nem indícios,
evidentemente porque essa parte da descabida acusação sequer faz parte das
investigações e da denúncia oferecida.
Além disso, parte das acusações que foram
apresentadas no dia de ontem estão na competência da Suprema Corte.
Se o nome disso tudo não é golpe será preciso
inventar um outro mais forte para designá-lo.
Quem sabe: GOLPE!
O conjunto acentua as tintas da crise
estrutural vivida pela sociedade brasileira em que ao esgotamento do modelo
econômico se junta a falência de seu sistema político que contaminou a isenção
do judiciário, arrebatado agora por centuriões que se avocam a tarefa de
‘corrigir o voto popular’.
Nenhum simplismo de power point resolverá essa
encruzilhada, diante da qual se joga o destino brasileiro no século XXI.
A crise em curso requer uma repactuação
democrática da sociedade e do seu o desenvolvimento, razão pela qual não
encontra remédio no passado — e tampouco no anacronismo violento.
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