Por Wagner Iglecias
A moda dessa primavera/verão na bolsa de
apostas da política nacional é dizer que o PT tá indo pro brejo. Será?
Militantes e simpatizantes do partido dirão que não, que isso é um absurdo.
Adversários batem o pé que sim. Acho
eu, para usar uma expressão chique, que tem uma boa dose de wishfull
thinking nisso tudo, tanto de um lado como de outro. Uns ainda sonhando com
um PT que já não existe mais. Outros destilando seu ódio costumeiro ao partido
que é a referência central da política brasileira neste século.
Após treze anos no comando do país o
petismo enfrenta desgaste. Seja por seus limites, naturais em qualquer
experiência política inovadora que alcança o poder, seja pelos escândalos de
corrupção em que se vê envolvido.
O partido apanha de seus adversários
de esquerda por supostamente ter abandonado os ideais que carregou desde sua
fundação até meados dos anos 1990. Supostamente não - se a memória não me falha
- o PT lá dos primórdios tinha sim no socialismo e na ética na política suas
duas principais bandeiras.
E apanha de seus inimigos da direita
não por querer implantar um socialismo que já abandonou há tempos, mas por
promover a expansão do capitalismo brasileiro, através de ferramentas
rooseveltianas e keynesianas que vêm provocando algumas alterações importantes
na estrutura social de um país com 400 anos de escravidão nas costas em 500 de
existência e uma das elites mais atrasadas do mundo.
Já na oposição de direita a questão é
que, por mais que se detone diuturnamente os governos petistas (por motivos
merecidos e imerecidos também) a realidade concreta das pessoas, em especial da
massa do eleitorado, teima em caminhar em outra direção.
É óbvio que o povo sofre no dia a dia
do transporte, do hospital público, da falta de infra-estrutura nas periferias
etc., mas também é patente que as condições materiais de vida dos mais pobres
melhoraram de forma inédita desde que o petismo chegou ao comando do país.
Enganam-se aqueles que pensam que o
pobre, por ser pobre, é irracional. Pelo contrário, a massa do eleitorado forma
suas convicções políticas e sua decisão de voto de maneira muito lógica e
pragmática, a partir do cálculo pautado na melhoria (ou na piora) das condições
reais de vida.
Não adianta ficar falando em
"petrolão" na periferia se na periferia houver emprego, melhoria de
poder de compra, melhoria dos serviços públicos etc. Agora, claro, se houver
piora destas condições, o discurso do caos ou o discurso da moralidade emanado
para a classe média tradicional pode começar a ganhar adeptos também na
periferia.
Mas para azar do petismo, por outro
lado, a estratégia ganha-ganha praticada pelo partido desde 2003, postergando o
conflito distributivo como o diabo foge da cruz, começou a trincar com a crise
de 2008. Tudo bem que logo na sequência o governo botou o pé no acelerador e em
2010 o país teve um ano excelente do ponto de vista econômico. Mas depois disso
parece que o gás acabou.
E a pax lulista dos anos 2000
definitivamente ruiu a partir das ruas de 2013. Lá na quebrada as condições de
vida, embora muito melhores que há 15 ou 20 anos atrás, já não são exatamente
as mesmas de 2010. E na medida em que aumenta a percepção de que as coisas já
não vão tão bem assim, ganha força na periferia e na massa do eleitorado o
discurso moralista produzido pelos inimigos do petismo.
Um discurso que encontra solo fértil
entre quem melhorou um pouquinho na vida, saiu da miséria, mas adotou o ethos
da classe média tradicional e acha que tudo se deve a esforço próprio,
individual. E que pensa que o governo, se não pode ajudar, que ao menos não
atrapalhe.
Agora está aí parte do povo pobre
achando que já não sobe mais na vida como antes por causa da “roubalheira do
PT” (que não nos deixe mentir pela derrota do prefeito Haddad em boa parte da
periferia de SP na eleição do último domingo, 2).
Talvez a conexão que vai sendo feita
pela massa entre percepção de piora das condições de vida e a narrativa
diuturna sobre escândalos de corrupção envolvendo o petismo explique a queda
acentuada da preferência pelo partido na pesquisa Datafolha. Mas também o
aumento da massa de brasileiros que já não optam por partido nenhum.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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