Agora que o Ano Novo chegou e vive sua impagável travessura
de reinventar e desmanchar os dias, fico a pensar no ano que se foi, pensando
em toda a penca de anos que se foram, os anos do calendário cristão, os anos de
calendários outros, anos outros que se passaram sem sequer saber que eram anos,
no tempo em que a natureza experimentava seu modo de criar o mundo sem que
houvessem marcas de tempo, num tempo em que a imensa cozinha cósmica triturava
seus átomos, cavalgadura incomum em que a ausência de ritmo era o próprio ritmo
do som da invenção.
Fico a pensar no quão inadequado é a expressão "ano
velho", porque os anos nada mais são do que um exuberante cacho de dias,
enfileirados, pendentes à tarde, caindo à noite de maduros.
Quando o último dia do ano cai, como se fosse um fruto
maduro do alto de um galho, festejado pelos olhos gulosos de um monte de
meninos, nem sequer sobra tempo para que se forme a crosta de resina na árvore
do tempo, nem se travestem de folhas emurchecidas, as fatias de minutos do
novo.
O ano que surge, feito de novo em fruto estufando de vida, à
espera de atos que os diferenciem, que os identifiquem num calendário comum,
revestido dos anseios e desejos dos homens.
Os anos são assim, os atos dos átomos, visíveis ou
invisíveis, a tecer o chão e a cúpula do tempo e do espaço por onde trafegam as
coisas; os anos são assim, os atos dos homens, a tecer o chão e a cúpula do
espaço e do tempo por onde trafegam seus sonhos.
O que envelhece, pois, não são os anos, safras aconteceram de
tempo presente, a derrubar sobre o teto do mundo os frutos que os dias são.
Envelhecem os relógios e suas engrenagens; envelhece a mão
que acerta com dificuldade o ponteiro dos segundos, mão que deixou de ser
concha e se parece agora uma folha delgada a pender para o chão; sobretudo
envelhecem os atos dos homens, enclausurados em suas leis, seus regimentos,
seus dogmas, como se fossem folhas ressequidas e amarrotadas, velhas roldanas
ferrugentas a tocar seu mundo; com o riso envelhecido no canto da boca,
envelhece também a vontade do homem de viver os seus sonhos, que se vão
quedando feito cordeiros domesticados no íntimo porão das lembranças.
Os anos nunca serão velhos, na sua eterna criancice de
estufar dias como se fossem bolhas de sabão, frutos de tempo, bolas coloridas
de soprar; velhos serão os homens, enquanto não aprenderem a pendurar seus
sonhos, ao modo de guirlandas, no redemoinho feliz desse eterno presente que
eles próprios chamam de anos.
E para que a humanidade possa ter paz, nada melhor que
dedicar este símbolo maior da natureza a todos. FELIZ ANO NOVO, FELIZ 2019
Bahia, 31 de dezembro de 2018.
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