José Batista dos Santos, é o nome de batismo. O apelido de Zé Tempero decorre do fato de que ele vendia temperos frescos (coentro, cebolinha, hortelã, etc...), que ele e sua mãe cultivavam no quintal de sua casa, sobre um jirau (prá quem não sabe o que é isso, trata-se de um estrado de madeira, com uma camada de terra adubada com esterco de animal, e era usado para proteger as plantas da ação de porcos e galinhas).
Nos idos dos anos 50, Zé morava em uma daquelas casinhas de taipa, que existiam ali no final da atual Rua Rosa Baraúna, mais ou menos onde hoje está o Contorno. Dali em diante o que existia era o campo de aviação, ladeado por “florestas” de malvas, juremas e faveleiras, que lhe servia também de sanitário.
O Zé vendia esses temperos, para defender uns poucos e necessários trocados, ajudando a sobrevivência sua e de sua mãe. Todos os dias, no início da manhã, bem cedinho, antes de ir para a escola, lá vinha aquela figurinha mirrada, batendo de porta em porta, oferecendo sua mercadoria, zelosamente transportada em uma pequena bacia esmaltada, com um pouco de água no fundo, para manter o frescor dos temperos.
Naquele tempo não existia a violência de hoje, e as portas das casas viviam abertas, o que facilitava a comercialização do Zé, que em cada porta berrava: TEMPEROS!
Finda a primeira tarefa do dia, assegurado uns trocados entregues à mãe, o Zé vestia a farda, uma calça curta azul-marinho e uma camisa branca, pegava o tinteiro, a caneta e o caderno e ia para o Prédio, como se costumava chamar as ESCOLAS REUNIDAS CEZAR ZAMA.
O Zé foi meu colega, na classe da professora Honezinda Teixeira, grande mestra do passado desta cidade. Uma ou duas vezes por mês, havia a sabatina. A mestra dividia a sala em dois grupos, que ficavam em pé em cada lado da sala.
Por indicação da mestra, cabia a um dos integrantes de um dos grupos, fazer perguntas a outro integrante do outro grupo. Se a resposta fosse errada, o “infrator” tomava um “bolo de palmatória”, aplicado por quem perguntou, e saía da sabatina, ia se sentar, dizia-se então que “caiu”. Se resposta fosse certa, o direito de perguntar passava para aquele grupo, e o aluno que foi inquirido, agora tinha o direito de escolher quem quer que fosse do outro grupo para perguntar, e assim por diante, até restar apenas dois “contendores”, um de cada lado.
Normalmente ficávamos o Zé e eu. O crioulo era sabido, esperto e não era fácil lhe dar um “bolo” ou “derrubá-lo”. A diferença entre eu o Zé, era que minha mãe me preparava muito bem, nem sempre com a minha boa vontade, quando entravam em cena uns cascudos, puxões de orelhas e outros “argumentos” do arsenal materno. O Zé, sabe-se lá como se preparava, se ao menos tinha tido tempo de estudar.
Findo o estoque de perguntas, a mestra dava por encerrado a contenda, a sabatina, e nós dois, recebíamos uma salva de palmas de toda a classe. EMPATE!
Findo o curso primário, em 1955, quem tinha recursos, ia estudar em outra cidade, pois naquela época, Xiquexique não tinha sequer um ginásio.
O Zé ficou por aqui até que em 1959, foi inaugurado o Ginásio Senhor do Bonfim, que naquela época, embora municipal, era pago. O Zé fez o exame de admissão e passou em primeiro lugar. Dr. Hélcio Bessa, vendo a situação do Zé, instituiu um prêmio, para todo aluno aprovado em primeiro lugar, poderia cursar o ano seguinte sem nada pagar. O Zé fez todo os 4 anos de ginásio sem pagar um tostão, e ainda recebia algum, por trabalhar na Secretaria do GSB.
Terminou o ginásio e o Zé ficou sem ter o que fazer. Trabalhava de servente de pedreiro e como sempre foi benquisto, algumas pessoas lhe ajudavam com o que podia. Uma delas, minha prima Marilúzia, que lhe reservava sempre um prato de refeição à noite.
Um dia o Zé disse a Marilúzia, que ia haver um concurso para o Banco do Nordeste, na cidade de Irecê, que ele tinha certeza que seria aprovado, mas não tinha o dinheiro para o transporte. Marilúzia lhe deu o dinheiro, o Zé foi a Irecê, fez o concurso e foi aprovado.
Fez uma carreira no Banco do Nordeste, aproveitou o tempo e as oportunidades para fazer um curso de Direito, se diplomou e hoje, o Zé está aposentado do banco, exerce a advocacia e se estabeleceu em Montes Claros, cidade natal de sua esposa, onde se radicou e cria sua família.
Com estas modestas linhas, quero mostrar aos jovens, especialmente àqueles mais pobres e/ou negros, que com força de vontade e dedicação, se consegue romper os grilhões de uma situação desfavorável.
Quero também, na pessoa do Zé Tempero, homenagear todos os negros. Como já disse um poeta: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. O Zé não esperou, fez a sua hora e aconteceu.
Foi uma grande alegria rever o Zé, ontem à noite, na festa da minha prima Aldinha. O Zé e esposa, vieram especialmente de Montes Claros, Minas, para prestigiar o evento
Zé Tempero, meu amigo, meu irmão, meu ídolo.
5 comentários:
Permita-me, Dr. custódio, parabenizar-lhe pela metéria sobre o José Batista, carinhosamente conhecido por nós como Zé Tempero.
20/11/11 13:33Estava eu prestes a escrever um texto sobre o tema "Dia da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares, quando, para minha alegria, deparo-me aqui no A VOZ com o seu pertinente relato.
Conheci o nosso Zé Tempero quando eu estudava no Ginásio Senhor do Bomfim e ele trabalhava na respectiva Secretaria. Neste contexto, ele poderá narrar-lhe as minhas "traquinagens" nessa época de estudante "ginasial". Peça-lhe que conte como ele descobriu o meu furto ( famélico em estado de necessidade) de umas provas na Secretaria do GSB.
Um forte abraço,
Nilson Machado de Azevedo
Nilson queria parabenizar vossa senhoria pelo português usado no coméntario realizado acima,ao mesmo tempo dizer lhes que sua participação engrandece os blogs da nossa cidade,espero que vc participe com mais freguência comentando as matérias públicadas, um grande abraço
20/11/11 14:05Mas, quem diria, o Reinaldinho é um assiduo leitor do blog do nosso amigo Zeca. Às vezes, quem sabe pode ser um dos muitos anônimos. Quão bom Zeca, ter voce um desses leitores. O Blog está de Parabens. Não conheço a pessoa do José Tempero, mas, achei-o um grande xiquexiquense. Seria de bom alvitre, que tivéssemos muitos Zé Tempero em nossa tão sofrida , humilhada e necessitada de valores:Xiquexique.Parabéns.
20/11/11 16:25Todo bom exemplo deve ser seguido!! assim construímos uma sociedade melhor.
20/11/11 20:51História maravilhosa.
20/11/11 22:29Parabéns a todos vocês que nos brindam com narrativas tão espetaculares sobre nossos ilustres cidadãos.
Sobre diversos temas e acontecimentos da nossa querida Xique-Xique.
Informando, cobrando e deixando com que os leitores nos diversos cantos do mundo possam comentar.
Xique-Xique tem grande homens e mesmo em situações adversas, vencem, acreditam, fazem a sua parte e mostra para todos que é possível, bastando apenas querer e ir a luta.
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