Caso o leitor ainda não tenha
percebido, a votação que ocorrerá no próximo fim de semana na Câmara não tem
absolutamente nada a ver com o combate à corrupção ou com o desejo de tirar o
país da crise.
Como a presidenta eleita não cometeu
crime algum, e eles sabem muito bem disso, a votação do próximo fim de semana
não será uma votação sobre impeachment.
Na realidade, a votação na Câmara
será uma eleição indireta para a Presidência da República. Trata-se da primeira
votação indireta para a presidência, após a ditadura militar. Com um agravante:
o último presidente eleito indiretamente, Tancredo Neves, tinha prestígio e
legitimidade. Foi eleito para derrotar a ditadura.
Já o conspirador Michel Temer não tem
nem uma coisa nem outra. É mero candidato oportunista a presidente biônico, que
tem a simpatia de somente 1% da população, segundo a última pesquisa. E sua
candidatura não visa fazer o país avançar, visa fazer o país retroceder. Não
pretende derrotar uma ditadura, pretende instaurá-la. Seria a ditadura do 1%.
Ditadura do 1% em mais de um sentido.
Ditadura do 1% porque só tem apoio de 1% dos eleitores. E ditadura do 1% porque
Michel Temer governaria para o 1% mais rico.
Com efeito, seu programa, denominado
pomposamente de Uma Ponte Para o Futuro, é, a bem da verdade, mera pinguela
para o passado, que pretende destruir, com um só golpe (o trocadilho é
intencional), três grandes legados sociais: o de Lula, o de Ulysses Guimarães e
do de Getúlio Vargas.
Entre outras coisas, o plano do
candidato a presidente biônico pretende reduzir salário mínimo, aposentadorias
e pensões, desvincular receitas orçamentárias para a saúde e a educação,
revisar para baixo programas sociais como Bolsa Família, Fies, Prouni, etc., e
impor a prevalência do negociado sobre o legal, acabando, dessa forma, com a
proteção da CLT getulista. Não bastasse, a pinguela para o passado visa leiloar
nosso futuro, vendendo o pré-sal e outros patrimônios públicos na bacia das
almas da crise.
Um plano sem dúvida palatável para o
1% mais rico, porém tenebroso para os 99% restantes.
Numa eleição de verdade, disputada
nas urnas e nas ruas, tal plano não chegaria sequer ao segundo turno. Contudo,
como se trata aqui de uma eleição indireta, biônica, há possibilidade de ele
ser aprovado, com os votos dos setores mais fisiológicos e atrasados do
Congresso.
Por isso, apoiado pelo probo Eduardo
Cunha e por aqueles parlamentares que querem desesperadamente se salvar de
processos e acusações de corrupção, Michel Temer já canta vitória antes do
tempo, vazando áudio de seu “discurso de posse”, com elegância paquidérmica e
sutileza leonina. Tentativa vã de demonstrar uma força que não tem e a dimensão
de estadista que lhe falta.
Golpista não é estadista e Temer não é
Tancredo.
Tancredo uniu o país. Temer e Cunha o
dividirão ainda mais. Não há a menor possibilidade de um eventual governo
biônico de Temer/Cunha dar certo. Na realidade, um governo biônico desse tipo,
liderado por figuras desse naipe, sem a unção das urnas e sem a menor
legitimidade, criaria uma fratura política profunda, de difícil superação.
Passada a euforia inicial dos
golpistas, o país mergulharia num caos político interminável, ainda mais com o
programa antipopular e socialmente regressivo que seria implantado. Aconteceria
aqui, em escala muito ampliada, o que já começa a acontecer na Argentina de
Macri: regressão social e repressão policial contra trabalhadores e movimentos
sociais. Uma revolta popular ampla e de consequências imprevisíveis seria mera
questão de tempo. Pouco tempo.
A banalização do impeachment como
arma partidária dos grupos mais fisiológicos do Congresso criaria uma espécie
de “parlamentarismo de bananas”, que comprometeria definitivamente a
governabilidade do Brasil.
No plano externo, nossa imagem
regrediria à condição de “republiqueta de bananas”, nos igualando a potências
democráticas como Honduras e Paraguai. Provavelmente, sofreríamos algum
tipo de sanção na OEA, na UNASUL e no MERCOSUL.
Seria criada, dessa forma, a
“tempestade perfeita” que arruinaria, em definitivo, o Brasil.
A crise atual é séria, mas a aventura
irresponsável do golpe a agravaria muito mais e a prolongaria indefinidamente.
A bem da verdade, a economia
brasileira já mostra sinais de recuperação, com a dinamização de seu setor
externo, superávits comerciais alentados e redução significativa do déficit em
conta corrente. A inflação também está caindo de forma acentuada.
O problema não está nos fundamentos
da economia, que hoje são muito mais sólidos que em 2002, apesar da grave crise
mundial, a pior desde 1929.
Independentemente de erros eventuais,
nosso principal problema econômico é o golpismo. Desde outubro de 2014 que a
oposição e a mídia irresponsáveis apostam no terceiro turno, no golpe e no
“quanto pior melhor”. Nessas condições, não há política econômica que funcione
bem. Se tivessem deixado Dilma governar, provavelmente já estaríamos retomando
o crescimento. Preferiram, por motivos partidários e egoístas, apostar no caos.
Apostar contra o Brasil e sua democracia.
A eleição indireta que implantaria a
presidência biônica de Temer e sua ditadura do 1% não vai resolver nada, apenas
agravará ainda mais a situação do país. Somente o ódio insano de certos setores
políticos ressentidos com derrotas eleitorais sucessivas impede que enxerguem o
golpe como clara aventura suicida.
Felizmente, parte da população já
consegue perceber essa obviedade. As lideranças oposicionistas despencam em
popularidade e Lula, apesar das agressões sistemáticas, volta a crescer. A
defesa racional e serena da democracia começa a se sobrepor à histeria fascista
e irresponsável do golpe.
O Brasil só sairá da crise com uma
aliança entre as forças democráticas e progressistas, que dê suporte político a
um governo que inclua os 99%, preservando os avanços sociais feitos nos últimos
tempos. A inclusão social é a salvação econômica do Brasil. Empresários e
políticos inteligentes sabem disso.
Voltar à República Velha e ao
capitalismo selvagem e desregulado, como querem os golpistas, é aprofundar a
crise. E voltar aos tristes tempos das eleições indiretas e dos presidentes
biônicos é agressão à democracia.
A votação deste fim de semana é
eleição indireta para eleger o presidente biônico que implantaria a ditadura do
1%. É, no mínimo, uma temeridade.
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