É preciso
retornar a um dos períodos mais deprimentes da história humana, o julgamento do
carrasco nazista Otto Adolf Eichmann, em Jerusalém, em 1960, para entender a
decisão da Comissão Especial do Impeachment que deu sequência ao julgamento de
Dilma Rousseff no Senado.
A
acusação contra Dilma é nula no mérito e abusiva como procedimento. Se a única
base para a denúncia eram crimes de responsabilidade, essa acusação nunca foi
demonstrada. A votação, definida desde o início, não expressa fatos nem provas.
Tampouco traduz o conteúdo dos debates, os argumentos das partes, a opinião dos
peritos.
Foi uma demonstração de truculência e força bruta. Expressa a relação
de forças entre partidos no Congresso. E só. É política, e não jurídica, quando
deveria ser o contrário.
Ao longo
dos trabalhos da Comissão, testemunhas deixaram claro que o governo realizou
não só operações contábeis banais e corriqueiras, efetuadas por todos os
antecessores porque não representam prejuízo aos cofres públicos nem envolviam
qualquer tipo de ilegalidade.
Apenas alteravam a distribuição interna de
recursos, sem modificar os números finais, aqueles que registram o déficit
fiscal. Estavam inteiramente de acordo com a legislação em vigor, no momento em
que ocorreram.
A
incapacidade de caracterizar um crime explica o uso frequente de uma expressão
criada por jornalistas, “pedaladas”, destinada a sugerir aquilo que não se
consegue demonstrar.
A
fragilidade é tão grande que, no momento máximo de vexame, o Ministério Público
Federal reconheceu que não constituíam crime.
Construído
por Hanna Arendt, a filósofa que estudou o nascimento das piores tiranias do
século passado, a ideia da banalidade do mal ajuda a entender que crimes
políticos podem ser cometidos num ritual burocrático, imperceptível, automático,
de olhos fechados.
Principal
responsável pela máquina de morte de Auschwitz, Eichmann disse em seu
julgamento que não tinha nada de “pessoal” contra os judeus que pereciam sob
seu comando -- aos milhões. Apenas queria – sem assumir qualquer responsabilidade
-- fazer seu serviço profissional, burocrático.
O crime
cometido esta manhã no Senado representa um ataque – burocrático e
irresponsável – à democracia brasileira. Em nome do respeito à verdade, os
senadores aliados de Michel Temer só precisariam recordar as palavras
inesquecíveis de sua líder Rose de Freitas (“é tudo política”) para reconhecer
que pronunciavam fantasias, fabulações e invenções para aparentar que nada mais
faziam do que encaminhar um golpe de Estado.
Não é uma
decisão definitiva nem é uma surpresa. Mas os votos pelo impeachment
contribuíram para apequenar as instituições democráticas, condenando, sem
prova, o mandato de uma presidente eleita por mais de 54 milhões de
brasileiras.
Cedo ou
tarde, serão chamados a explicar-se por isso. É a condenação inevitável
daqueles que traem a democracia. Até por uma questão de respeito, contudo,
recomenda-se que não exagerem em explicações nem desculpas lacrimosas.
Paulo Moreira Leite
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