O
título me faz lembrar, sem nenhum esforço, das votações polêmicas ensejadas em
Brasília quando por lá se derrota, sem hesitação, a vontade do povo brasileiro,
a induzir à ideia de que prevalece, prima facie, entre os senadores e deputados
o espírito de porco, ou seja, o primário desejo da maioria dos parlamentares de
fazer sujeira e se chafurdar oficialmente na lama. Mas isso seria apenas
licença poética e de péssima poesia, porquanto me abstenho de homenagear aqui,
neste momento, o eufemismo.
O que se infere na análise das declarações, opiniões, votos e abstenções dos
parlamentares é a demonstração cabal de que nas duas Casas do Congresso o
corporativismo, mesmo com denúncias, ainda prevalece em detrimento da
coletividade e dos interesses nacionais.
Repita-se:
A predominância dos privilégios da classe política sobre os interesses da
população em geral, é traduzida nas peculiaridades das instituições da
República e todos reconhecem que em Brasília existe uma aura de pertencimento
que rejeita toda e qualquer interferência exógena.
Qualquer
cidadão que não seja reconhecido como parte da ecologia do poder - no habitat
de senadores, deputados, ministros ou de simples assessores com aquele crachá
pendurado no pescoço por uma fita verde-amarela - é um estranho incômodo nas
cercanias das instituições públicas sediadas desde a Esplanada dos Ministérios,
após as eleições.
O
que faz de Brasília um lugar inóspito, sem poesia, jamais será a arquitetura
modernista de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, ou o ar desértico, dramático, que
só oferece algum alívio na chegada da primavera quando fenomenalmente o cerrado
floresce ralo e rasteiro mas com altas indaiás e gabirobeiras e os impressionantes Ipês, que me causam um sublime encanto quando estou muitas quadras distantes do prédio do Congresso.
Entretanto, apesar dos ipês, a aspereza de Brasília é traduzida nas suas asas setentrionais e meridionais ou
no arquipélago de edificações simbólicas do corporativismo. Essa configuração
insular tem a capacidade de incorporar e acomodar todos seus moradores,
candangos, visitantes e frequentadores da Avenida W3 ou do Setor Hoteleiro
Norte e Sul.
Brasília
representa o ajuste perverso e equilibrado de todos os interesses
corporativistas que atrasam a consolidação da democracia e preservam as
desigualdades que dividem os brasileiros. Na capital do país, a sociedade
composta de trabalhadores é tratada como um corpo estranho.
Por
sua vez, congressistas são contaminados pelo poder que abduz e magnetiza seus
privados interesses em um processo que vai se isolando ad infinitum do
ecossistema social a tornar Brasília uma Ilha da Fantasia, iliterata,
impessoal, sem alma, sem pejo e sem poesia.
Nilson
Machado de Azevedo
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