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Ilha da fantasia sem poesia

8/21/2016



O título me faz lembrar, sem nenhum esforço, das votações polêmicas ensejadas em Brasília quando por lá se derrota, sem hesitação, a vontade do povo brasileiro, a induzir à ideia de que prevalece, prima facie, entre os senadores e deputados o espírito de porco, ou seja, o primário desejo da maioria dos parlamentares de fazer sujeira e se chafurdar oficialmente na lama. Mas isso seria apenas licença poética e de péssima poesia, porquanto me abstenho de homenagear aqui, neste momento, o eufemismo.

O que se infere na análise das declarações, opiniões, votos e abstenções dos parlamentares é a demonstração cabal de que nas duas Casas do Congresso o corporativismo, mesmo com denúncias, ainda prevalece em detrimento da coletividade e dos interesses nacionais.

Repita-se: A predominância dos privilégios da classe política sobre os interesses da população em geral, é traduzida nas peculiaridades das instituições da República e todos reconhecem que em Brasília existe uma aura de pertencimento que rejeita toda e qualquer interferência exógena.

Qualquer cidadão que não seja reconhecido como parte da ecologia do poder - no habitat de senadores, deputados, ministros ou de simples assessores com aquele crachá pendurado no pescoço por uma fita verde-amarela - é um estranho incômodo nas cercanias das instituições públicas sediadas desde a Esplanada dos Ministérios, após as eleições.

O que faz de Brasília um lugar inóspito, sem poesia, jamais será a arquitetura modernista de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, ou o ar desértico, dramático, que só oferece algum alívio na chegada da primavera quando fenomenalmente o cerrado floresce ralo e rasteiro mas com altas indaiás e gabirobeiras e os impressionantes Ipês, que me causam um sublime encanto quando estou muitas quadras distantes do prédio do Congresso.
Entretanto, apesar dos ipês, a aspereza de Brasília é traduzida nas suas asas setentrionais e meridionais ou no arquipélago de edificações simbólicas do corporativismo. Essa configuração insular tem a capacidade de incorporar e acomodar todos seus moradores, candangos, visitantes e frequentadores da Avenida W3 ou do Setor Hoteleiro Norte e Sul.

Brasília representa o ajuste perverso e equilibrado de todos os interesses corporativistas que atrasam a consolidação da democracia e preservam as desigualdades que dividem os brasileiros. Na capital do país, a sociedade composta de trabalhadores é tratada como um corpo estranho.

 Por sua vez, congressistas são contaminados pelo poder que abduz e magnetiza seus privados interesses em um processo que vai se isolando ad infinitum do ecossistema social a tornar Brasília uma Ilha da Fantasia, iliterata, impessoal, sem alma, sem pejo e sem poesia.
Nilson Machado de Azevedo

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