Ninguém
precisa ficar surpreso com a insistência exibida por Michel Temer para dizer
que não é candidato à eleição presidencial de 2018. Não é esperteza nem
fingimento. É uma questão de sobrevivência.
No Brasil
de hoje, a única certeza duradoura é a desvalorização do voto popular.
Tornou-se uma mercadoria de alto risco.
Querer
ocupar o poder através das urnas, método banal de toda democracia digna deste
nome, tornou-se sinônimo de oportunismo e irresponsabilidade. Sinaliza falta de
compromisso real com as reformas estruturais que foram cozinhadas pelo
empresariado que bancou Eduardo Cunha e seus aliados na campanha de 2014 e
anunciadas por Temer quando tomou posse de sua interinidade e agora são apontadas
como caminho indispensável para a redenção do país.
Pela
mesma razão, Henrique Meirelles tem sido aconselhado a anunciar publicamente
que não pretende candidatar-se ao Planalto em 2018. Isso porque o simples
desejo de conquistar a simpatia da maioria do eleitorado é uma vontade
suspeita, um risco inaceitável de contaminação por males indesejáveis.
É um
processo que carrega mercadorias vistas necessariamente como maléficas,
inevitavelmente prejudiciais ao país -- como demagogia, populismo e outras
doenças contagiosas e incuráveis.
Fala-se
disso como se fosse uma verdade científica que explica as coisas do mundo e da
política.
Esse
comportamento está no inicio e no final do golpe de abril-maio, que revelou a
imensa fragilidade de nossas lideranças democráticas para resistir a uma
investida descarada contra o Estado Democrático de
Direito.
A postura
de quem rejeita o voto popular é uma confissão silenciosa, também. Revela o
temor que esse instrumento de resistência da maioria da população desperta no
bloco de empresários e políticos alinhados com um projeto de regressão
histórica sabidamente incapaz de contar com apoio popular para alcançar as
metas propostas.
Num
resumo realista, que só parece chocante: o país está diante de um ajuste
extremo e radical, um Pinochet sem ditadura, incompatível com eleições e
democracia, pois atinge interesses imensos, representativos.
As
dezenas de milhões de vítimas do golpe -- assalariados, aposentados,
afrodescendentes, mulheres, usuários de serviços público, famílias carentes
-- precisam ser destituídas de todos os meios de defesa, a começar daquele que
tem uma influência direta sobre o universo político -- o voto.
Podem até
resistir nas ruas e de vez em quando fazer passeatas, atos públicos e até
greves, como fazem gregos, espanhóis, franceses. Mas devem ser mantidos numa
posição de impotência absoluta pois toda oposição com força real é vista como
obstáculo às mudanças. Por essa razão, é preciso inutilizar as lideranças que
carregam, em si mesmas, grande possibilidade de contestação política. Isso
explica a perseguição a Lula e tudo o que simboliza. Tornou-se perigoso porque
tem muito voto.
Além dos
adversários óbvios, a originalidade dessa situação é que ela também inclui os
políticos que passaram a ocupar o aparelho de Estado após o afastamento de
Dilma. Estes não têm força própria. Só estarão autorizados a permanecer em seus
cargos enquanto se mostrarem fiéis ao projeto anti-Brasil em curso. Não podem
sequer cogitar medidas fora de tom. Qualquer iniciativa que possa ser aplaudida
pela população é suspeita e vista como ameaça.
Na
dúvida, consulte-se o TSE, que a todo momento pode mandar a equipe interina
para o chuveiro. Não por acaso, todos os seus atos são monitorados com
severidade.
Este é o
país de hoje. O Estado encontra-se submetido aos verdadeiros patrões do golpe.
O governo é ocupado por meninos que precisam se comportar direito, caso
contrário perdem os cargos e serão expulsos de cena.
Numa
nação que assistiu a destituição de uma presidente eleita por mais de 54
milhões de brasileiros, a janela democrática se fecha em dezembro. Até lá, caso
Michel Temer venha a ser afastado, também, a lei prevê a escolha do novo
presidente pelo voto em urna.
Depois
disso, a escolha caberá ao Congresso, transformado em colégio eleitoral, com
poderes semelhantes aqueles que possuía nos tempos da ditadura.
Como se
vê, a desvalorização do voto é uma postura teórica com imensas consequências
práticas. Tudo será feito para que o povo não possa votar. Esta é a mensagem.
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