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Relatos de um torturador

3/22/2014


Desvendado um dos últimos mistérios que envolviam o destino final do corpo do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar: o coronel do Exército, Paulo Malhães (reformado), hoje com 76 anos, foi o comandante da operação para dar sumiço de vez  aos restos mortais do ex-deputado.
Malhães deu entrevista ao jornal carioca O Globo há poucos dias, especificando toda a operação, mas em off, exigindo que seu nome não aparecesse na reportagem. Em nova entrevista, esta publicada pelo jornal O Dia – também do Rio -, o coronel autorizou a publicação de seu nome e assume ter comandado a “missão” para o desaparecimento do corpo de Paiva.

Malhães foi um dos mais ativos oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE), nos chamados anos de chumbo, os mais tenebrosos da ditadura na década de 70. Ao O Dia, o coronel repete que comandou a operação secreta para ocultar os restos mortais do ex-deputado. Torna-se, assim, o primeiro militar a assumir participação no desaparecimento do corpo de Paiva, uma das mais conhecidas e emblemáticas vítimas da ditadura.

O coronel repete ter recebido, em 1973, uma ordem do Ministério do Exército – o ministro  era o general Orlando Geisel, irmão do presidente general Ernesto Geisel – para desenterrar e sumir com os restos mortais do parlamentar morto dois anos antes sob tortura, no DOI-CODI-Rio. A confirmação dada ao O Dia e mais a permissão para que seu nome fosse divulgado levaram a Comissão Nacional da Verdade a convocá-lo para depor nos próximos dias.

O Militar torturdor revela à Comissão Estadual da Verdade que corpos foram mutilados e jogados na água em Petrópolis.

A receita malígna do torturador -  assassino:

“Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre. Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não [jogar] com muita pedra. O peso [do saco] tem de ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba. Por isso, não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo.”

A técnica

“É um estudo de anatomia. Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás. Então, de qualquer maneira, você tem de abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro. Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui [Baixada].”

Rubens Paiva

“Rubens Paiva, calculo, morreu por erro. Os caras exageravam naquilo que faziam, sem necessidade. Ficavam satisfeitos e sorridentes ao tirar sangue e dar porrada. Isso aconteceu com Rubens Paiva. Deram tanta porrada nele que, quando foram ver, já estava morto. Aí ficou o abacaxi, o que fazer? Se faz o que com o morto? Se enterra e se conta este negócio do sequestro. Só que o cara, primeiro, enterrou na estrada que vai para o Alto da Boa Vista. Aí, estavam fazendo a beirada da estrada, cimentando, e o cara viu que eles iam passar por cima do corpo. Foi lá e tirou.”

Destino final de Paiva

“Enterrar, queimar, botar no ácido, que desaparece. Tudo isso passou pela minha cabeça. Mas as dificuldades encontradas para fazer isso já eram outras. Então, disse: ‘Vamos resolver esse problema de modo que não deixe rastro’. Aí surgiu essa ideia. Discutimos a ideia e achamos que era a ideia mais viável.”

Prisões clandestinas

“Quando o cara entra no quartel, sabe que está seguro, que ninguém vai matá-lo. Quando você prende ele em uma casa, pensa: ‘Por que me trouxeram para cá e não me levaram para o quartel?’ E a gente ameaçava com isto: ‘Você já viu que você está preso, mas não está preso no quartel. Você está preso em uma casa. Daqui você pode ir para qualquer lugar. Aqui você não está inscrito em nada.”

Cadeia de comando

“Ele [o ministro] era sempre informado. Estava sabendo. Relatórios eram feitos e entregues ao chefe da seção com os EEI, Elementos Essenciais de Informações. Então, através desses EEI, eles sabiam tudo.”

Interrogatórios

“Aprendi que um homem que apanha na cara não fala mais nada. Você dá uma bofetada e ele se tranca. Você passa a ser o maior ofensor dele e o maior inimigo dele. A rigidez é o volume de voz, apertar ele psicologicamente, sobre o que ele é, quais são as consequências. Isto sim. Tudo isto é psicológico. Principalmente quando houve outros casos, né? Fulano foi preso e sumiu. Ele não é preso em uma unidade militar, ele vai para um lugar completamente estranho, civil, vamos dizer assim, uma casa. Ninguém sabe que ele está lá. Não há registro. Tudo isto é coação psicológica.”

Guerrilha

“Destruímos todas as organizações subversivas porque acabamos com a cabeça delas. Quando você corta a cabeça de uma cobra você acaba com a cobra. Então, este foi o nosso trabalho.”

Sono perdido

“Poxa, não. Só perdi noite de sono estudando [as organizações de esquerda]. Até hoje, estudo.”

Aposentadoria

“Me retraí quando meu mundo começou a virar. Quando fui sentindo que nós, que tínhamos lutado, e não fomos tantos assim, estávamos perdendo poder. Foi mais ou menos na época do governo Sarney.”

Carreira na repressão

“O DOI [Destacamento de Informações de Operações] é o primeiro degrau. Você entra ali, voando. Aí, se brutaliza, passa a ser igual aos outros, mas depois vai raciocinando e se estruturando. Houve uma mudança da porrada para o choque. Você pode dizer: ‘Foi uma mudança ruim’. Foi não. Não deixava trauma, não deixava marca, não deixava nada. Já foi uma evolução. Ai, você vai caminhando, aprende de outros lugares, também. De outros países, como é feita a coisa. Então, você se torna um outro personagem, um outro cara e, por causa disto, você é guindado a um órgão superior por ser um cara diferente e agir diferente. Tem muito mais amplitude, tem um universo muito maior, aí você se torna um expert em informações.”

Criação do Cisa

“Levamos a ideia do CIE para o Burnier [brigadeiro João Paulo Burnier]. Ele mostrou para o ministro [da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo], que disse: ‘Poxa que troço! Então funciona’. Aí, fundou o Cisa [Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica]. Tanto é que recebi a medalha de Mérito da Aeronáutica. Eu até me senti muito orgulhoso, foi o dia em que eu fiquei mais vaidoso.”