O mercado, no capitalismo, nunca pode parar na sua incessante busca pela
rentabilidade. Ele precisa encontrar
novos meios de entretenimento que gerem lucros vultosos. A fórmula mais fácil
disso é, indiscutivelmente, estimular, sem escrúpulos, a imbecilidade de determinados segmentos da nominada juventude.
Os meios de comunicação de massa cumprem, então, o seu papel: associam a
ideia de “ser jovem” com a de “ser um imbecil”, aqui entendido como um
irresponsável, que não se importa com nada que não seja o próprio prazer,
imediato, rápido, fluido, como deve ser a linguagem nos tempos da globalização
digital.
O sertanejo universitário surge nesse contexto. Ele vem ocupar o espaço
dos ritmos que se prestam a proporcionar “diversão sem compromisso”, expressão
que não quer outra coisa senão mascarar a baixíssima qualidade da música
produzida, além de servir como sentença de absolvição da mediocridade humana de
quem ouve esse estilo. Entender o estereótipo do sertanejo universitário, dessa
maneira, afigura-se como sendo da mais alta relevância para a compreensão da
ideia corrente do que é ser um jovem hedonista no século 21.
O
sertanejo universitário é sujeito destemido, porém sensível. Tem o dom da
poesia incrustado nas suas veias. Na balada, este santuário da “pegação da
mulherada”, sente a verve aflorar com facilidade, produzindo versos
riquíssimos, como os que se notam na composição “Ai se eu te Pego”, do cantor
Michel Teló: “Sábado na balada. A galera começou a dançar. E passou a menina mais
linda. Tomei coragem e comecei a falar. Nossa, nossa. Assim você me mata. Ai se
eu te pego, ai ai se eu te pego”.
De
fato, é preciso ser muito perspicaz para rimar “dançar” com “falar”. Sobretudo, impressiona, sobremaneira, a profundidade dos versos: quando passa a menina mais linda, ele
toma coragem e fala. É um movimento controlado, premeditado. O eu lírico “toma
coragem” e “parte para a caça” na balada. Inspirado pela beleza da garota, ele
se aproxima e a corteja de uma maneira que qualquer mulher, de Carla Perez a
Susan Sontag, sentir-se-ia enamorada: “Ai se eu te pego”, “ai se eu te pego”,
ele repete à exaustão o verso aos ouvidos da “garota mais gostosa”.
Contudo,
talvez a característica mais significativa deste personagem — o sertanejo
universitário — seja mesmo a preferência pelo “idioma da velocidade”. Sertanejo
que é sertanejo universitário evita a prolixidade; é sucinto, direto, objetivo.
Sua linguagem despreza floreios verbais, construções frasais longas, vocábulos
de difícil entendimento. Dado o portento de seu talento poético, ele acentua a
desnecessidade do vocabulário complexo, adepto que é da lógica do “dizer muito
com muito pouco” ou do “falar fácil é que é difícil”.
Conhecedor profundo da
fonologia da gramática da língua portuguesa, ele lança mão do rico alfabeto
fonético do idioma românico-galego e, conjugando-o com seu ideal filosófico de
concisão e com as técnicas redacionais modernas que enaltecem o “texto enxuto”,
passa a compor valorizando a mínima emissão de voz na entonação dos seus
versos, economizando em palavras o que pode expressar, em seu entender,
perfeitamente com vocábulos monossílabos. É daí que nasce a tendência manifesta
das composições do estilo em priorizar a vocalização de uma única sílaba.
Exemplificativamente, temos: “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas e
Marcelo: “Eu quero tchu, eu quero tcha. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha.
Tchu tcha tcha tchu tchu tcha”.
“Eu
quero tchu, eu quero tcha” é, sem dúvida, um dos mais formidáveis exemplos de
como se pode economizar palavras, de como se pode fundir o dígrafo consonantal
“ch” com o “t” e uma vogal (“a” ou “u”) e criar um hit nacional. O significado
poético-filosófico do “tchu” e do “tcha” na composição também merece registro:
o eu lírico cria um jogo de contrastes, antitético como as leis da dialética,
onde o “tchu” só existe para o “tcha”, de modo que não pode haver “tcha” sem
“tchu” nem “tchu” sem “tcha”. Daí o porquê de invocar-se as expressões
alternadamente, silabando-as na velocidade da luz: “Tchu tcha tcha tchu tchu
tcha”.
Do ponto de vista musical, o sertanejo universitário hoje é um gênero musical utilizado comumente para designar a fórmula da “música dançante feita para gente descerebrada”. É o correspondente hodierno, do século 21, ao que foi a axé music no fim do século 20, mais precisamente na década de 1990: a demonstração cabal de que o físico alemão Albert Einstein estava certo quando afirmou: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, quanto ao universo, ainda não estou completamente certo disso”.
Aprendi com este texto dentro do contexto que o que eu quero mesmo é o tchu e o tchá com os acordes de Schubert ou Beethoven, preferencialmente, desde que me concedam a escolha de um forró pé de serra de Luiz Gonzaga, daqueles que a gente chamega na alcova ou na esteira.
Mas o estouro (dos ouvidos) é ouvir a sinfonia exuberante do Lepo Lepo. É o ápice!
Se ficar comigo é porque gosta do meu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo. É tão gostoso quando eu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo.
Eu não tenho carro, não tenho teto e se ficar comigo é porque gosta do meu rá rá rá rá rá rá rá lepo lepo, rá rá rá rá rá rá, Lepo Lepo.
São analfabetos funcionais a pulverizar até os ossos do poeta soteropolitano Antonio de Castro Alves, o Cecéu, no mausoléu a ele erigido na Praça que leva o seu glorioso nome no centro velho de Salvador.
Revista Bula
1 comentários:
A música tem um poder incrível de mexer com seu intelecto, para o bem ou para o mal. Então preze as letras inteligentes e ritmos que não sejam extremamente repetitivos.Assim como o nosso da Patricia Molhada.
10/4/14 04:34Postar um comentário
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