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Pecadores de Xiquexique antes e depois da quaresma

4/17/2014




A matraca soa demoradamente num timbre exasperado e a lamentação segue a passos lentos pelas estações da Via Sacra a entoar benditos e padre-nossos. Os penitentes flagelam-se com as lâminas afiadas da “disciplina”, num suplício multifacetado de arrependimentos buscando redimir os próprios pecados e os alheios.

Acredita-se que as almas santas, aquelas que estão a levitar no limbo do purgatório, acompanham os fiéis penitentes durante a lamentação e que se alimentam das orações, em forma de benditos, na esperança de atenuar os seus sofrimentos, numa espécie de progressão da penitência fechada para o aberto regime celestial.

Os devotos são amparados e recompensados por essas alimentadas almas, habitantes efêmeros do purgatório, lugar de penumbra, onde as penas deixam de ser eternas, perpétuas, para serem por tempo limitado.

Os rituais da lamentação praticados pelos penitentes de Xiquexique são dogmas que não podem ser por eles abandonados. Hão de cumprir a liturgia durante sete anos, lapso de tempo em que as almas rogam aos vivos, com maior intensidade, as suas orações. Assim, no período mínimo de sete anos, esses fervorosos pagadores de promessas devem flagelar-se anualmente na Semana Santa, sobretudo na Sexta-Feira.

Se um penitente abandonar a autoflagelação, acredita-se que as almas santas benditas incumbirão, por si só, de aplicar-lhe a disciplina na região lombar, pois o cumprimento do voto penitencial é compulsório a partir da quarta-feira até a sexta-feira da quaresma.

Nas imediações da Capela de São Pedro, no bairro dos Paramelos, existia uma estação da via sagrada de peregrinação dos penitentes. Foi ali que aprendi a cantar esse bendito de  polifonia a três, quatro e cinco vozes:

Na quarta-feira Jesus com seus discípulos
Foi a Oliveira, foi a Jerusalém
Foi a Páscoa, meu Jesus com seus discípulos
Que padeceu a favor de nosso bem

Na quinta-feira Jesus banhou os pés
Com grande gosto, prazer e contentamento
Depois da ceia, meu Jesus restitui-se
Com grande gosto meu Santíssimo Sacramento

Na sexta-feira Jesus subiu ao horto
Foi rezar três horas de oração
Encontrou Judas na frente de uma tropa
Já vinha ele de alferes capitão.
             *********

Após as trevas da madrugada de sexta-feira, surge, enfim, o Sábado de Aleluia e com ele o enforcamento de todos os judas que ainda insistem em perambular, portando trinta dinheiros, entre os cristãos beradeiros. Serão malhados sem dó. 

Nilson Machado de Azevedo




















4 comentários:

Penitente Véi disse...

Só pra colaborar, aqui estão os versos completos do hino da sexta-feira da Paixão, tão bem lembrado por Nilson Machado:

Na quarta-feira Jesus com seus discípulos
Foi a Oliveira, foi a Jerusalém
Foi a Páscoa, meu Jesus com seus discípulos
Que padeceu a favor de nosso bem

Na quinta-feira Jesus banhou os pés
Com grande gosto, prazer e contentamento
Depois da ceia, meu Jesus restitui-se
Com grande gosto meu Santíssimo Sacramento

Na sexta-feira Jesus subiu ao horto
Foi rezar três horas de horação
Encontrou Judas na frente de uma tropa
Já vinha ele de alferes capitão

Judas pelo lado direito
Com falsidade lhe beijou divinamente
Jesus disse: - Eu conheço a falsidade
Com este beijo que agora tu me destes

Neste dia Nossa Senhora chegou
Às oito horas Sexta Feira da Paixão
Encontrou-se com seu filhinho preso
Madalena, ó que dor no coração

Depois jesus Cristo arrastado
Cobriram ele em trono pequenino
Lhe botaram uma coroa na cabeça
Era tecida com 72 espinhos

Daí saíram com Jesus a rua estreita
Cartamente a rua de amargura
Encontrou-se com a Sempre Virgem Maria
Era sua mãe que chorava com ternura

Ó, minha Mãe, que por mim tanto chorava,
Sendo ela, Maria e Madalena
Quando eu cuido que vinha a meu socorro
Cada vez mais redobrava a minha pena

Chegou Longuinho com a lança e cravou
No peito esquerdo, em cima do coração
Quando o sangue lhe batia pelo rosto
Se ajoelhou, a meu Deus pediu perdão

17/4/14 01:30
Anônimo disse...

Ó vós que estais dormindo

Num sono tão profundo

Lembrai-vos das benditas almas

Que estão no outro mundo

Padre-Nosso

Ó almas, tristes almas.

Ó almas dos nossos pais,

Que estais gemendo e chorando

Nessas fogueiras mortais.

Padre-Nosso.



17/4/14 01:59
Magda Elenna disse...

PAI NOSSO EM CORDEL
Damião Metamorfose


Pai nosso que estais no céu,
Na terra, na água e no ar.
Santificado é seu nome,
Em tudo quanto é lugar.
Seja na paz ou na guerra
o que ligares na terra,
No céu também vai ligar.
*
Venha a nós o vosso reino,
Seja feita sua vontade.
Aqui na terra e nos céus,
Oh! Senhor Deus da bondade.
Ilumine os filhos seus
e guie esses passos meus,
no caminho da verdade.
*
Pão nosso de cada dia,
Nos dai sempre em abundância.
Perdoai nossos pecados
E nos livre da ganância.
Assim como perdoamos,
Se vos pedimos, louvamos,
Livres de toda arrogância.
*
Nos livre das tentações
e do mal, nos guie pro bem.
Porque teu é o poder,
O reino e a glória... Amém.

18/4/14 09:02
Anônimo disse...

Jesus No Xadrez
Cordel Do Fogo Encantado

No tempo em que as estradas
Eram poucas no sertão
Tangerinos e boiadas
Cruzavam a região
Entre volante e cangaço
Quando a lei
Era a do braço
Do jagunço pau-mandado
Do coroné invasô
Dava-se no interiô
Esse caso inusitado

Quando o Palmeira das Antas
Pertencia ao capitão
Justino Bento da Cruz
Nunca faltô diversão
Vaquejada, canturia
Procissão e romaria
sexta-feira da paxão

Na quinta-feira maió
Dona Maria das Dores
No salão paroquial
Reuniu os moradores
Depois de uma preleção
Ao lado do capitão
Escalava a seleção
De atrizes e atores

Todo ano era um Jesus
Um Caifaz e um Pilatos
Só não mudavam a cruz
O verdugo e os maltratos

O Cristo daquele ano
Foi o Quincas Beija-flor
Caifaz foi Cipriano
Pilatos foi Nicanô

Duas cordas paralelas
Separavam a multidão
Pra que pudesse entre elas
Caminhar a procissão

Quincas conduzindo a cruz
Foi num foi adivirtia
O Cinturião perverso
Que com força lhe batia

Era pra bater maneiro
Bastião num intidia
Divido um grande pifão
Que tomou naquele dia
D'um vinho que o capelão
Guardava na sacristia

Cristo dizia:
- Ô rapais, vê se bate divagar
Já to todo incalombado
Assim num vô agüentar
Tá cá gota pra duer
Ou tu pára de bater
Ou a gente vai brigar
Jogo já essa cruis fora
Tô ficando aperriado
Vô morrê antes da hora
De ficar crucificado

O pior é que o malvado
Fingia que num ouvia
E além de bater com força
Ainda se divirtia
Espiava pra Jesus
Fazia pôco e dizia:
- Que Cristo frôxo é você?!
Que chora na procissão
Jesus, pelo que se sabe
Num era mole assim não
Eu to batendo com pena
Tu vai vê o que é bom
Na subida da ladeira
Da venda de Fenelom
O côro vai ser dobrado
Até chegar no mercado
A cuíca muda o tom

Naquele momento ouviu-se
Um grito na multidão
Era Quincas
Que com raiva
Sacudiu a cruz no chão
E partiu feito um maluco
Pra cima de Bastião
Se travaram no tabefe
Pontapé e cabeçada
Madalena levou queda
Pilatos levou pancada
Deram um cacete em Caifaz
Que até hoje num faz
Nem sente gosto de nada

Dismancharam a procissão
O cacete foi pesado
São Tumé levou um tranco
Que ficou desacordado
Acertaram um cocorote
Na careca de Timote
Que inté hoje é aluado

Inté mesmo São José
Que num é de confusão
Na ânsia de defender
Seu filho de criação
Aproveitou a garapa
Pra dar um monte de tapa
Na cara do bom ladrão

A briga só terminou
Quando o dotô delegado
Interviu e separô
Cada santo pro seu lado

Desde que o mundo se fez
Foi essa a primêra vez
Que Jesus foi pro xadrês
Mas num foi crucificado

18/4/14 09:52

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