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Nós advogados, eles juízes

3/25/2015


 
Houve um tempo em que os juízes de direito só se manifestavam nos autos. É certo que em todos os tempos e em todos os lugares, o ato de julgar tem sido difícil. Os juízes não são infalíveis. Nada há de perfeito no mundo, e por mais isentos queiram ser os magistrados, eles são feitos do mesmo barro de que se fazem os outros homens. De qualquer forma, com seus erros, quando os há, e seus acertos, que são mais importantes, a sociedade precisa de juízes e de tribunais. Deles não pode prescindir. O que faz democráticas as sociedades é o sistema de múltiplo controle de seus membros e de suas instituições.
 
A consciência da vida, de que só os seres humanos são dotados, reclama regras de convivência e sua observância, ou seja, as leis. Os homicídios, por exemplo, devem ser punidos, para impedir que o instinto de répteis, que ainda atua no fundo do cérebro, prevaleça.
 
Em consequência da ineficácia da polícia e da morosidade da justiça, somos um dos países mais inseguros do mundo. Os que furtam para comer – e os códigos penais de quase todos os países civilizados aceitam a condição atenuante – devem ser perdoados, o que não tem ocorrido aqui. O direito à vida é anterior ao direito à propriedade, como os princípios éticos reconhecem. Os julgamentos não são equações matemáticas, em que para tais e quais fatores só pode haver uma conclusão (embora haja teorias que admitem mais de uma resposta, ou nenhuma resposta, para alguns problemas).
 
Os juízes de direito são pessoas que julgam atos pessoais, e julgam com seus próprios instrumentos intelectuais e éticos. A balança pode ser precisa, mas os pesos, como sabemos, costumam variar. E chegamos a uma penosa conclusão: a de que há juízes que cometem atos ilícitos.
 
No passado, era quase impossível conhecer seus desvios e puni-los, mas nos últimos anos alguns deles foram denunciados, indiciados, processados e condenados.
 
É normal – e até desejável – que os altos magistrados brasileiros divirjam: na justiça, como em todas as outras atividades humanas, toda ortodoxia, todos os dogmas – mesmo os tidos como clássicos em Direito – merecem ser vistos com sábio ceticismo. O conhecimento – e nele se reúnem os do saber jurídico, o dos fatos em si, o do peso das circunstâncias – é sempre uma possibilidade, jamais uma certeza. Todos os juízes, diante dos autos, são acometidos da razão socrática: sabem que conhecem pouco do que vão julgar.
 
Antes de uma decisão, os bons juízes refletem muito, apelam para a razão e, aqueles que nele crêem, suplicam pela ajuda de Deus. Mas é preciso que haja instituições que zelem pela retidão dos juízes. Que o juiz se equivoque, por falta de informações completas, ou por não encontrar a relação do delito com as leis penais, não o faz passível de reparos ou punição. O que os torna delinquentes é o dolo. Para os equívocos existem as instâncias de apelação, mas, para o comportamento doloso, devem atuar órgãos como o Conselho Nacional de Justiça.
 
O CNJ é composto por magistrados escolhidos, em sua maioria, pelos tribunais e, em minoria, pela OAB e pelo Parlamento. Em sua composição, de 15 membros, todos são profissionais do Direito, com a exceção de “dois cidadãos”, de notório saber jurídico e reputação ilibada, conforme o artigo 102-B, da Constituição.
 
Alguns juízes, mediante sua associação corporativa, contestam esse poder do CNJ – e preferem que o órgão não avoque o exame das denúncias, antes que elas sejam investigadas no âmbito do tribunal em que ocorram. Trata-se de uma posição corporativa, que não deve prevalecer. É preciso que haja instituição distanciada das relações pessoais com os acusados, para que o exame dos atos imputados se faça com a imparcialidade possível, ainda que sujeita à condição humana dos investigadores e julgadores.
 
Se a sociedade for consultada, ela dirá que, sim, que é preciso que os juízes sejam fiscalizados e investigados e, se for o caso, processados. Enfim, como advertiam os latinos, corruptio optimi pessima est. Ou no idioma de Rui: A corrupção dos melhores é a pior.
 
nilsonazevedo@globo.com
Fonte: Revista Data Venia

 

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