O Colunista Paulo Moreira Leite afirma que o bom atendimento recebido pelos apresentadores da TV Globo, Angélica e Luciano Huck, seus três filhos e duas babás, na rede pública de saúde, em Mato Grosso do Sul, após um acidente de avião, no domingo (24), "criou uma oportunidade rara para se debater o Sistema Único de Saúde e as responsabilidades de cada um na solução dos problemas que afligem a maioria dos brasileiros"; "Depois de receber um atendimento tão especial, nossos apresentadores poderiam fazer o possível para que mais brasileiros pudessem ser atendidos nas mesmas enfermarias, pelos mesmos profissionais, com a mesma atenção, que eles receberam no Mato Grosso. Poderiam assumir uma campanha pelo retorno da CPMF, que está na base de tudo. Seria uma grande homenagem para a equipe médica, para os enfermeiros, para o pessoal da limpeza. Acima de tudo, seria um gesto de solidariedade para ajudar milhões de brasileiros a ter um atendimento digno. Eles também querem falar bem do SUS", defende
Vivemos num país
onde não faltam pastores de boas almas. Você sabe quem são essas
pessoas. Adoram explicar que o brasileiro não gosta de colocar a mão no
bolso para a filantropia. Reclamam da falta de solidariedade na vida cotidiana.
Falam de egoísmo como uma doença incurável. Detestam o Bolsa Família porque
preferem esmolas. Falam mal do Mais Médicos e adoram Médicos sem Fronteiras.
Criticam universidades públicas porque são a favor de ensino superior privado —
como nos Estados Unidos — reservando bolsas apenas para alunos pobres que
têm um desempenho próximo da genialidade.
Pois o acidente de
Luciano Huck, Angélica, seus três filhos e duas babás criou uma oportunidade
rara para se debater essa situação — e as responsabilidades de cada um na
solução dos problemas que afligem a maioria dos brasileiros.
Há pelo menos 20
anos que a saúde pública é o principal problema do país, dizem os brasileiros
nas pesquisas de opinião. Às vezes está em primeiro lugar. Outra, em segundo.
Raramente, em terceiro. Quem já visitou um posto do SUS dificilmente irá
discordar.
Mas Luciano Huck e
Angélica não tem o que reclamar neste aspecto. Saíram do Hospital mantido pelo
SUS no Mato Grosso distribuindo elogios rasgados ao atendimento. Mesmo
brasileiros que reservam uma parcela importante do salário para pagar um plano
de saúde privado não costumam ficar tão satisfeitos quando são atendidos.
Olha só: num país
onde a TV só mostra reportagens com pacientes desmaiados no chão, crianças
chorando e idosos em total abandono, duas estrelas da TV não tinham do que
reclamar. Só falaram bem. E fizeram isso motivado pelo maior dos valores, a
honestidade.
Eu, você, os dois e
os 200 milhões de brasileiros sabemos que esse atendimento não é para qualquer
um. É triste mas é verdade. Vivemos numa sociedade de desiguais, onde o
atendimento médico, mesmo num hospital público, varia conforme o prestígio e o
poder de cada paciente. Não é preciso lembrar a lista de celebridades — dos
negócios, da política, etc — que frequentam nossos grandes hospitais privados.
E se algum dia você viu um amigo, parente ou simples conhecido recebendo um bom
atendimento na rede pública, terá o direito de se perguntar se ele teve ajuda
de um bom pistolão para conseguir tal proeza.
Só podemos,
portanto, ficar felizes que pelo menos uma família conseguiu um primeiro
atendimento adequado — e nós sabemos como o primeiro atendimento costuma ser
decisivo após uma tragédia. Em geral, define o que vem depois. Mas nós sabemos,
também, porque isso acontece. Fama, prestígio, receio de uma denúncia.
Falta muita coisa
na vida real de nossos hospitais: boa gestão, médicos cumpridores de seus
plantões, instituições bem equipados. Mas falta, basicamente, dinheiro. Faça
uma lista dos problemas e você logo verá que tudo começa e termina na falta de
recursos. Esse quadro se agravou a partir de 2007, quando a oposição derrubou a
CPMF no Senado. Faltaram quatro votos. A vontade de retirar uma bolada estimada
em R$ 30 bilhões anuais da saúde era tamanha que os presentes sequer atenderam
a um apelo do veterano Pedro Simon, senador da oposição, para que a decisão
fosse adiada, permitindo novos debates, mais reflexão. Em vão.
Oito anos depois,
Angélica e Luciano Huck elogiam o SUS. Eles podem fazer isso. Muitos
brasileiros jamais terão essa oportunidade. Para eles, o SUS sempre será o que
sempre foi. Motivo de decepção, raiva e poucas surpresas agradáveis. Não
precisamos reformar as almas.
Mas podemos pensar em responsabilidades. Depois de receber um atendimento tão especial, nossos apresentadores poderiam fazer o possível para que mais brasileiros pudessem ser atendidos nas mesmas enfermarias, pelos mesmos profissionais, com a mesma atenção, que eles receberam no Mato Grosso.
Mas podemos pensar em responsabilidades. Depois de receber um atendimento tão especial, nossos apresentadores poderiam fazer o possível para que mais brasileiros pudessem ser atendidos nas mesmas enfermarias, pelos mesmos profissionais, com a mesma atenção, que eles receberam no Mato Grosso.
Poderiam assumir
uma campanha pelo retorno da CPMF, que está na base de tudo. Seria uma grande
homenagem para a equipe médica, para os enfermeiros, para o pessoal da limpeza.
Acima de tudo, seria um gesto de solidariedade para ajudar milhões de
brasileiros a ter um atendimento digno. Eles também querem falar bem do SUS. A
opção é esperar que tudo volte a ser como antes daquele desastre do avião. Pode
acontecer com qualquer um, inclusive com quem não é qualquer um. Alguma dúvida?
PML
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