Em toda a história
da humanidade, a “delação premiada” sempre foi vista com bons olhos pelos
autoritários de seu tempo, mas com repúdio intenso pelo povo, assim que o tempo
amaina um pouco as paixões políticas.
Judas foi premiado
com algumas moedinhas de ouro para delatar Jesus.
Temos que lembrar
um caso mais próximo de nós: Silvério dos Reis, que morreu bem de vida após delatar
Tiradentes.
No Brasil
contemporâneo, temos um Alberto Youssef, que usou a sua primeira delação
premiada para matar seus concorrentes, e sair da prisão bem maior que entrou,
com a conivência dos procuradores do Paraná e do juiz Sergio Moro.
Youssef era um
importante operador do PSDB até os anos 90, quando fazia esquemas com o
Banestado, o banco público do Paraná que os tucanos saquearam até deixar
somente a carcaça. É preso por Sergio Moro, ganha o direito da delação
premiada, delata doleiros do Brasil inteiro, destruindo a concorrência. Daí
recomeça a sua carreira, praticando crimes em escala muito maior.
É preciso tomar
muito cuidado com delações premiadas, sobretudo na política, porque os
delatores combinam narrativas, entre eles e com a mídia, com vistas,
naturalmente, a beneficiarem apenas a si mesmos.
Como se sabe, a delação é a base
da Operação Lava Jato, cruzada que levará o Brasil à sua maior recessão desde
1929, com desemprego em massa nos estaleiros, nos portos e cidades que atendem
à Petrobras, nas demais obras das empreiteiras não relacionadas a petróleo, nos
bancos onde as empreiteiras devem 100 bilhões de Reais, faz lembrar das
confissões dramáticas que foram extraídas pelo Senador Joseph MacCarthy sob
tortura psicológica na Comissão de Atividades Anti-Americanas do Senado, que
quase liquidam com a democracia norte-americana, não fosse o Senador desmascarado
como um falso moralista, na realidade um carrasco vulgar vingativo e sem
escrúpulos.
Segue a história de Joaquim Silvério dos Reis, o delator de Tiradentes, publicada no Consultor Jurídico por Sérgio Rodas.
223 anos após a
sua morte, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, voltou a ser notícia nos
últimos dias — e não por causa do trânsito na saída de São Paulo durante do
feriado em sua homenagem (21 de abril). No último Dia de Tiradentes, o Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro revisou a história e encenou um novo julgamento de
Tiradentes, interpretado na ocasião pelo ator Milton Gonçalves.
O advogado Técio Lins e Silva, que defendeu o mártir da independência alegou que seu cliente só confessou a participação na Inconfidência Mineira sob tortura. Considerando que esta prova era ilícita, o desembargador Claudio dell’Orto absolveu o ex-dentista e alferes e o “desenforcou”.
O advogado Técio Lins e Silva, que defendeu o mártir da independência alegou que seu cliente só confessou a participação na Inconfidência Mineira sob tortura. Considerando que esta prova era ilícita, o desembargador Claudio dell’Orto absolveu o ex-dentista e alferes e o “desenforcou”.
Além disso, na
Semana da Inconfidência, a Imprensa Oficial de Minas Gerais publicou na
internet todos os documentos dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, o
processo que resultou na condenação à morte de Tiradentes.
Mas há outra razão
para trazer o inconfidente de volta à tona. Em tempos de operação “lava jato”,
em que depoimentos feitos em delações premiadas estampam jornais diariamente,
vale lembrar que Tiradentes foi possivelmente vítima da primeira “dedurada”
legalmente recompensada na história do Brasil, feita por Joaquim
Silvério dos Reis.
Cabeças vão rolar
No final do século 18, os mineiros estavam descontentes com a Coroa Portuguesa. Em 1785, a rainha d. Maria I proibiu que fossem produzidos na colônia manufaturas de ouro, prata, seda, algodão, linho e lã. Quatro anos depois, a metrópole resolveu compensar a queda na arrecadação — resultado do declínio econômico de Minas Gerais — instituindo uma forma mais eficiente de recolher o Quinto, imposto que garantia aos portugueses 20% de todo minério extraído até o teto de cem arrobas anuais (1,5 tonelada). Conhecida como “derrama”, a prática consistia em confiscar bens e objetos de ouro para garantir que a meta tributária não seria descumprida.
Essas medidas
inflamaram a elite da época. Inspirados pela independência dos Estados Unidos
da América do Norte e pelo movimento intelectual que culminaria na Revolução Francesa,
um grupo de bacharéis, militares, comerciantes e fazendeiros passou a se reunir
rotineiramente nas casas dos poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio
Gonzaga, que também era desembargador e foi apontado como o líder do movimento.
A principal ideia deles era se livrar do domínio lusitano e tornar Minas Gerais
um país independente, que seria organizado sob a forma de república.
Quando soube do
movimento, Silvério dos Reis vislumbrou uma oportunidade de obter os benefícios
do parágrafo 11 do Título VI das Ordenações Filipinas (lei vigente na metrópole
e em todas as colônias na época) e se livrar das pesadas dívidas que possuía
junto à Coroa Portuguesa.
De acordo com o livro O Processo de Tiradentes, escrito pelos advogados Ricardo Tosto e Paulo Guilherme Mendonça Lopes e editado pela ConJur, o dispositivo “previa não só o perdão, mas também favores do Reino para quem primeiro delatasse a existência de atos de crime de Lesa Majestade”. Este delito, tipificado no Título VI da mesma norma, era aplicado em caso de “traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu real Estado”.
De acordo com o livro O Processo de Tiradentes, escrito pelos advogados Ricardo Tosto e Paulo Guilherme Mendonça Lopes e editado pela ConJur, o dispositivo “previa não só o perdão, mas também favores do Reino para quem primeiro delatasse a existência de atos de crime de Lesa Majestade”. Este delito, tipificado no Título VI da mesma norma, era aplicado em caso de “traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu real Estado”.
Visando à sua
redenção, Silvério dos Reis resolveu abrir o bico – mas por livre e espontânea
vontade, e não devido à coação de uma prisão preventiva. Ele então procurou o
visconde de Barbacena e governador da Capitania de Minas Gerais na época, Luís
Antônio Furtado de Mendonça, e contou tudo o que sabia. Depois de um mês, o
nobre pediu que o dedo-duro formalizasse a denúncia por escrito, para que ela
fosse enviada ao vice-rei, D. Luis de Vasconcelos.
Na carta, Silvério
dos Reis relatou que, certa vez, fora convidado a participar da conjuração pelo
sargento-mor Luís Vaz. Este, segundo o delator, contara que Tomás Antônio
Gonzaga liderava um grupo que iria mandar mais de 460 “pés-rapados”, “que
haviam de vir armados de espingardas e facões, e que não haviam de vir juntos
para não causar desconfiança; e que estivessem dispersos, porém perto da Vila
Rica, e prontos à primeira voz”.
Prontos para quê?
Para fazer cabeças rolarem. E “a primeira cabeça que se havia de cortar era a
de V. Excia. [visconde de Barbacena] e depois, pegando-lhe pelos cabelos, se
havia de fazer uma fala ao povo que já estava escrita pelo dito Gonzaga; e para
sossegar o dito povo se havia levantar os tributos”. E o suposto massacre não
terminaria aí: os conjurados também decapitariam o ouvidor de Vila Rica, Pedro
José de Araújo, o escrivão da Junta, Carlos José da Silva e o ajudante de
Ordens Antônio Xavier – e talvez o intendente – “porque estes haviam de seguir
o partido de V. Excia. [Visconde de Barbacena]”.
Conforme contou
Silvério dos Reis, os inconfidentes o convidaram para participar do levante por
saberem que ele devia dinheiro para a Coroa Portuguesa. Porém, logo deixaram
claro que, se ele divulgasse os planos deles às autoridades, seria assassinado.
O vigário da Vila
de São José, Carlos Correia, disse ao delator que, para a conjuração,
“trabalhava fortemente o alferes pago Joaquim José”, o qual já tinha vários
seguidores nessa cidade e planejava angariar mais sujeitos no Rio de Janeiro,
“pois o seu intento era também cortar a cabeça do Senhor Vice-Rei”. O relato do
padre foi posteriormente confirmado por Silvério dos Reis quando ele encontrou
Tiradentes, que lhe “fez certo o seu intento e do ânimo que levava”.
Após ler a
denúncia, o vice-rei determinou a abertura da devassa – uma mistura de
inquérito criminal e processo judicial – para apuração dos fatos e julgamento
dos culpados. Ao final, os juízes da Alçada culparam todos os inconfidentes
pelo crime de Lesa Majestade.
No entanto, só
Tiradentes foi condenado à morte. Uns dizem que foi por ele ser o único réu
confesso. Outros, por ser o mais pobre dos acusados. Controvérsias à parte, o
fato é que a rainha d. Maria I, A Louca, converteu a pena dos demais conjurados em exílio
para a África.
Em 21 de abril de
1792, Tiradentes foi enforcado em praça pública no Rio de Janeiro. Depois de
morto, seu corpo foi esquartejado.
Atualmente, o
delator que colaborar com as investigações e tiver comprovadas as informações
que prestou pode ter a pena reduzida em dois terços, substituída por penas
restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade, ou até
receber perdão judicial.
Contudo, no Brasil
Colônia, dedurar criminosos valia (ainda) mais a pena. Por ter denunciado os
agitadores da Inconfidência Mineira, Silvério dos Reis recebeu, em Lisboa, o
foro de fidalgo da Casa Real e o hábito da Ordem de Cristo. Além disso, suas
dívidas com a Coroa Portuguesa teriam sido perdoadas, e ele teria recebido
ouro, uma mansão e o cargo público de tesoureiro de Minas Gerais, Goiás
e Rio de Janeiro.
A partir daí,
Silvério dos Reis adicionou “Joaquim” a seu nome e se mudou para Campos dos
Goytacazes, que fazia parte da Capitania de São Tomé e hoje integra o estado do
Rio de Janeiro. Lá, o novo-rico, junto com seu sogro, passou a cobrar foros
indevidos dos locais e expulsar das terras os que não aceitavam a extorsão, de
acordo com o livro O Processo de Tiradentes.
Empolgado pelas
recompensas que recebeu por denunciar os conjurados, mas querendo ganhar mais
prêmios da metrópole, Silvério dos Reis planejou uma nova delação premiada,
dessa vez contra o alferes Joaquim Vicente dos Reis, que combatia as
arbitrariedades dele e de seu sogro na região. Como não havia crime a
denunciar, o chantagista inventou uma denúncia e acusou o militar ter aberto
duas cartas lacradas endereçadas ao vice-rei. Para corroborar sua tese, ele
apresentou duas testemunhas, com quem havia previamente combinado o teor de seu
depoimento.
Porém, uma dela
falou mais do que devia, gerando contradição com o depoimento de Silvério dos
Reis. Por essa razão, a devassa foi arquivada, sepultando seu plano de obter
mais recompensas. Pior ainda: os moradores de Campos dos Goytacazes denunciaram
à Coroa Portuguesa os abusos de Silvério Reis e seu sogro. Embora o processo
não tenha sido concluído, a ofensiva dos locais acabou forçando o delator dos
inconfidentes a se mudar para a Baixada Fluminense.
Silvério dos Reis
morreu em 1819, no Maranhão, não tão rico quanto gostaria, mas certamente com
melhores condições de vida do que as que tinha antes de delatar Tiradentes e os
demais líderes da Inconfidência Mineira.
Revista Consultor Jurídico
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