Com as prisões de
ontem, 19, a Operação Lava Jato não entrou em sua 14ª fase, como foi anunciado
em Curitiba.
Entrou numa etapa
em que uma ação judicial ultrapassa a fronteira do que é legítimo e razoável
para assumir a fisionomia de uma operação abertamente política, capaz de
destruir parcelas ainda saudáveis da economia, agravando todos os sacrifícios
que tem sido feitos — e serão feitos — pela população nos próximos meses. As
prisões e mandados criam uma situação desnecessária de incerteza e insegurança
num país que quer trabalhar em paz, progredir e construir uma vida melhor.
Habituada a justificar as centenas de prisões preventivas com o argumento de
que é preciso preservar a "ordem pública," a partir de hoje a Lava
Jato tornou-se definitivamente uma ameaça a ordem pública.
Como décadas atrás
explicou Louis Brandeis, um dos mais brilhantes integrantes da Suprema Corte
dos Estados Unidos, o que se promove com esse comportamento é a baderna:
— Nosso governo é o
mestre poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal ensina todo povo pelo
seu exemplo. Se o governo torna-se infrator da lei, cria ele próprio o desrespeito
a mesma, incita cada um a tornar-se a própria lei e portando, à anarquia.
Marcelo Odebrecht,
herdeiro e principal executivo do grupo do mesmo nome, e Otavio Azevedo,
principal executivo da Andrade Gutierrez, não têm importância apenas como
pessoas físicas, que devem ser respeitadas em seus direitos e garantias. Também
tem importância como pessoas jurídicas. Por mais que executivos que dirigem
grandes empresas possam ser acusados de cometer toda série de atos ilícitos que
marcam a política brasileira — atos que devem ser investigados e punidos de
forma responsável e isenta — as companhias fazem parte da história do país.
Ajudaram a construir a sétima economia do mundo. Respondem por centenas de
milhares de empregos. Estão presentes em mercados importantes da economia
global. Sua prisão é um péssimo sinal interno e externo. Ajuda a enfraquecer o
país e pode contribuir, especialmente, para piorar as condições de vida da
população.
As prisões ocorrem
dias depois que, num recorde de descontração, um delegado da Polícia Federal
afirmou que "muito provavelmente" o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva será submetido a uma investigação. Assim, como hipótese.
Impossível deixar
de associar as prisões da manhã do dia 19 à campanha da força tarefa do Ministério
Público, com o indispensável respaldo do juiz Sergio Moro, para impedir que o
país encontre uma saída racional para a crise aberta pelas denúncias da Lava
Jato.
Estamos falando dos
acordos de leniência,que representam uma solução lúcida para a situação de
ruína em que várias empresas se encontram. O que se pretende, basicamente, é
assegurar a punição de quem for considerado culpado de crimes de corrupção, mas
preservar o patrimônio das empresas. Não é uma invenção brasileira. Foi
empregada na Alemanha, quando se investigaram as denuncias recentes contra a
Siemens — que só não foram investigadas no Brasil, embora não faltassem
indícios imensos em vários governos estaduais. Também foi empregado nos Estados
Unidos. Na reconstrução alemã, após o pesadelo nazista, os dirigentes de
empresas foram julgados e condenados. As companhias foram poupadas. Isso
explica, por exemplo, por que a Volkswagen, nascida de uma campanha de Adolf
Hitler para construção de um carro popular, pode ser preservada.
O problema é que os
procuradores condenam os acordos de leniência, que podem — ou não — ser
celebrados pela advocacia geral da União.
É didático observar seus argumentos, que denunciam um projeto político, digno de ser disputado em urna, com base no voto popular — e não pelo braço da judicialisação. Em entrevista ao Estado de São Paulo de hoje, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima explica o que está acontecendo no país — e o que se pretende fazer diante daquilo que chama de "falsa República."
É didático observar seus argumentos, que denunciam um projeto político, digno de ser disputado em urna, com base no voto popular — e não pelo braço da judicialisação. Em entrevista ao Estado de São Paulo de hoje, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima explica o que está acontecendo no país — e o que se pretende fazer diante daquilo que chama de "falsa República."
Um dos mais
politizados integrantes do MP, Lima mostra diagnóstico que mistura afirmações
verdadeiras com observações absurdas, que só ajudam a reforçar uma visão
sombria e distorcida da realidade. Afirma que no Brasil vigora um
"capitalismo de compadres", conceito que tem uma matriz ideologica
inegável — onde funciona um capitalismo "puro", sem compadres ou
equivalentes? — ainda que possa ter uma ter uma base na realidade. Numa visão
que encobre progressos sociais recentes na distribuição de renda e combate a
miséria, assegura que na política brasileira "o interesse privado é a real
motivação dos atos públicos. Qualquer um pode trabalhar duro, pode tentar
alcançar o sucesso, mas isso somente será permitido a uma minoria que se
apropriou dos mecanismos políticos e que pretende impedir a entrada de novos
competidores em seus 'mercados.'" Procurando esclarecer a verdadeira
função política da Lava Jato, o procurador declarou ao Estado de S. Paulo (em
18/6/2015):
— O que nos
preocupa é não conseguirmos montar para a população um quadro completo da corrupção,
da cartelização, das mais diversas fraudes, enfim, da extensa criminalidade que
permeia as relações público-privadas em nosso país. Cada acusação é como uma
pequena peça de um imenso quebra-cabeça, e precisamos encaixar um número
suficiente de peças desse puzzle para que todos que olharem esse conjunto
possam saber como ele ficaria se completo. Só assim a população poderá separar
o joio do trigo e poderemos enfim refundar nossa República."
Então ficamos
combinados: enquanto o MP tenta impedir os acordos que poderiam trazer um
alívio ao ambiente político e econômico do país, as prisões de hoje se destinam
a montar "um quadro completo da corrupção" e assim por diante. O
espetáculo precisa continuar porque os procuradores acham que "só assim a
população poderá separar o joio do trigo" e "refundar nossa
República." Não são guardiões da Constituição. Tornaram-se ideológos,
doutrinadores, reformadores sociais sem mandato. E maus professores, além de
tudo.
No espetáculo da
Lava Jato não há lugar para apurar nem esclarecer, quem sabe por curiosidade, o
jantar de R$ 7 milhões em donativos de empresários — tanto representantes da
Odebrecht como da Andrade Gutierrez se encontravam no Alvorada naquela noite —
para o Instituto Fernando Henrique Cardoso, quando ele ainda ocupava a
presidência da República.
Advogados
experimentados não deixaram de notar um pormenor. As prisões da manhã do dia 19
de junho, ocorreram quando faltavam
poucos dias para o recesso do Judiciário, o que sempre dificulta o trâmite de
recursos para a soltura de prisioneiros. Embora seus advogados possam entrar
com recursos e pedidos de habeas corpus, os pedidos terão um longo caminho a
percorrer entre tribunais intermediários antes de chegar ao Supremo Tribunal
Federal. É claro que o ministro Teori Zavaski, relator do caso no STF, tem o
direito de intervir a qualquer momento, atravessando o percurso no meio. Tem
poderes para isso. Até agora, não agiu dessa forma. Aguardou pacientemente que
o caso chegasse a sua mesa para só então se manifestar.
Nós já sabíamos que
o modelo de trabalho de Sergio Moro, o juiz que comanda a Operação Lava Jato, é
a Operação Mãos Limpas — aquela que entregou o país ao bunga-bunga Sylvio
Berlusconi e transformou uma das glórias culturais e políticas da humanidade
num reino de segunda classe, dependente e subordinado às potências vizinhas, a
começar pela Alemanha de Angela Merkel.
Também sabíamos
que, para Daltan Dallagnol, no necessário combate à corrupção o Brasil deveria
mirar-se no espelho de Hong Kong — uma cidade-estado onde vivem 7 milhões de
pessoas, que não têm sequer direito de escolher seus governantes pelo voto
direto, em urna. O Brasil estava neste estágio pré-democrático até 1989. É bom
não esquecer.
Sabemos agora,
através do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, uma das vozes principais
da Lava Jato, que o plano é "refundar a República."
A partir da manhã de ontem, será possível enxergar melhor o que pretendem com isso.
Observatório da Imprensa
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