A mais curiosa revelação da reportagem "FHC passa o chapéu",
publicada pela revista Época em 2002, merece uma reflexão maior. Sabemos que a
reportagem descreve um encontro de fim de governo no qual um grupo de 12
empresários graúdos decidiu levantar R$ 7 milhões para a construção do
Instituto Fernando Henrique Cardoso.
O que nem todos recordam é que, em sua apuração, o repórter Gerson
Camarotti decidiu ouvir o Ministério Público. Entrevistou o procurador Rodrigo
Janot, o mesmo que, onze anos depois, se tornaria Procurador Geral da
República. Janot disse a Camarotti que não havia nada de ilegal:
— Fernando Henrique está tratando de seu futuro e não de seu presente, explicou o procurador. O problema seria se o presidente tivesse chamado empresários ao Palácio da Alvorada para pedir doações de favores e benefícios concedidos pelo atual governo.
— Fernando Henrique está tratando de seu futuro e não de seu presente, explicou o procurador. O problema seria se o presidente tivesse chamado empresários ao Palácio da Alvorada para pedir doações de favores e benefícios concedidos pelo atual governo.
É uma opinião sensata do ponto de vista legal. O Janot de 2002
participava de um movimento de oposição a Geraldo Brindeiro, o chamado
'Engavetador da República'. Não pode ser visto como uma voz da boa vontade e do
tratamento amigo diante de denúncias, portanto. Mas é uma opinião
reveladora, do ponto de vista político, quando se recorda o cerco da Polícia
Federal e do Ministério Público em torno do Instituto Lula e do ex-presidente.
É difícil acreditar que uma regra que Janot anunciou no momento em que
assumiu a Procuradoria Geral da República ("Pau que bate em Chico também
bate em Francisco") tenha sido corretamente aplicada no tratamento
dispensado aos dois ex-presidente e seus respectivos institutos. Se
considera-se razoável colocar em suspeita empresas e empresários que fizeram
doações ao Instituto Lula, a regra de Janot permite perguntar por que não se
fez o mesmo com FHC.
Embora, pelas regras da instituição, nenhum procurador deva obediência
ao Procurador-Geral, é evidente que há motivo de estranhamento e até mais do
que isso.
Entre os doadores presentes ao Alvorada com FHC, era possível contar
diversos gravatões. "Boa parte deles termina a era FHC melhor do que
entrou", avalia a revista.
Entre eles, se encontrava Benjamin Steinbruch, que levou a CSN e a Vale
nas privatizações. Outro era um banqueiro que entrou nos leilões de telefonia e
levou um grande naco. Também se encontravam empreiteiras importantes. Como a
Camargo Correa, que no governo de Fernando Henrique fez dois investimentos para
a Petrobrás: o gasoduto Brasil-Bolívia; e obras civis na Refinaria de Paulínia,
no interior de São Paulo. Também administrou a via Dutra, privatizada.
Foi no segundo mandato que FHC assinou o decreto 2745, que enquadrava a
Petrobras no regime de licitações simplificadas, aquele sistema sem o qual não
é possível aprovar licitações através de carta-convite, favorável a decisões
rápidas, sem burocracia, convenientes no universo de alta competição do
petróleo — também favorável a formação de cartéis e divisão amiga de verbas e
obras.
Como disse Janot, o presidente estava cuidando de seu futuro, naquele
jantar. Dali por diante, os empresários foram fazer a mesma coisa, em governos
estaduais do PSDB, que nunca mais teve acesso a obras federais. A maior obra de
saneamento do país, hoje, está sendo construída em São Paulo, por outro
presente no jantar de 2002 — a Odebrecht. Ela também participa da linha 6 do
metrô de São Paulo. Também ficou com um dos lotes da Cidade Administrativa,
principal investimento da gestão Aécio Neves. A Camargo participou do Rodoanel
Mário Covas e da linha lilás do metrô.
Esse
comportamento manteve-se nas campanhas eleitorais. Conforme o Estado de S.
Paulo, entre 2007 e 2013 as 21 maiores empresas investigadas na Lava Jato
repassaram R$ 571 milhões para campanhas eleitorais de petistas, tucanos,
peemedebistas. Desse total, 77% saíram dos cofres das cinco maiores, que estão
no centro das investigações: Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa,
Grupo Odebrecht e OAS. Segundo o levantamento, o Partido dos Trabalhadores
ficou com a maior parte, o que não é surpresa. As doações ocorreram depois da
reeleição de Lula. Cobrem aquele período do calendário político no qual Dilma
Rousseff conquistou o primeiro mandato e Fernando Haddad venceu as eleições
municipais de São Paulo. Mas o PSDB não ficou muito atrás. Embolsou 42% do
total.
Paulo Moreira Leite
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