“Ao envolver tucanos e
socialistas no recebimento de recursos da UTC, empreiteiro mostra – mais uma
vez – a presença de todos partidos do universo cinzento das campanhas
financeiras", diz Paulo Moreira Leite, ao
comentar a delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da UTC, que envolveu
personagens como o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) e o deputado Júlio Delgado
(PSB-MG); "A dificuldade política da oposição consiste numa questão
essencial: manter o discurso da moralidade, que implica em rejeitar como
mentira toda explicação apresentada pelos adversários e, ao mesmo tempo, tentar
nos convencer que, no caso de seus aliados, a história é outra, ainda que os
argumentos sejam os mesmos e a situação real seja igual"; ele diz ainda que,
no Brasil de hoje, o bom combate é lutar contra o financiamento empresarial de
campanhas
O fato mais surpreendente na
lista de políticos e autoridades beneficiadas pelas doações da empreiteira UTC,
reveladas neste fim de semana, consiste na linha de defesa da oposição.
Como nós sabemos, a denúncia
inclui vários políticos, de vários partidos e até mesmo o advogado Tiago
Cedraz, filho de Aroldo Cedraz, presidente do Tribunal de Contas da União, o
TCU. Tiago é acusado de receber R$ 50 000 mensais em troca de informações
privilegiadas. Ricardo Pessoa também disse que ele negociou a compra uma sentença
favorável em Angra 3 por R$ 1 milhão. Segundo a denúncia, o relator Raimundo
Carreiro recebeu o dinheiro, intermediado pelo filho do presidente do tribunal.
Sim: estamos falando da mesma
corte que ameaça questionar as contas de Dilma Rousseff por causa de operações
contábeis conhecidas como pedaladas. E agora?
O caso é que há beneficiados —
em contribuições de campanha. Um deles é o senador paulista Aloysio Nunes
Ferreira, do PSDB. Sua campanha levou R$ 200 000 em 2010. Já a campanha do
deputado mineiro Julio Delgado, do PSB, um dos mais ativos campeões da
moralidade no Congresso — foi relator da cassação de José Dirceu em 2005 —
recebeu R$ 150 000 em 2014.
Tanto Aloysio como Delgado
esclarecem que foram doações legais, registradas na Justiça Eleitoral. Não há
razão para duvidar. Até que se prove o contrário, essa explicação deve ser
vista como verdadeira e não deve ser questionada.
O problema é que as campanhas
do PT também possuem documentos que permitem sustentar a legalidade das doações
que o partido recebeu. As cifras, CPFs e todos os dados necessários estão lá.
A dificuldade política da
oposição consiste numa questão essencial: manter o discurso da moralidade, que
implica em rejeitar como mentira toda explicação apresentada pelos adversários
e, ao mesmo tempo, tentar nos convencer que, no caso de seus aliados, a
história é outra, ainda que os argumentos sejam os mesmos e a situação real
seja igual.
“Estão querendo misturar o joio
e o trigo,” reagiu Delgado. Aloyzio foi defendido por Aécio Neves, de quem foi
companheiro de chapa em 2014. Aécio declarou que a situação de Aloyzio é
totalmente diferente daquela dos petistas investigados na Lava Jato.
A tese da oposição é que nossa
turma é gente de bem e a outra parte não presta. Será possível? Ou é melhor acreditar
na professora Maria Silvia de Carvalho Franco, autora de Homens Livres na
Sociedade Escravocrata.
No livro, a mestra descreve um
país onde ” o Estado é visto e usado como ‘propriedade’ do grupo social que o
controla.”Para a professora, o “aparelho governamental nada mais é do que parte
do sistema de poder desse grupo, imediatamente submetido à sua influência, um
elemento para o qual se volta e utiliza sempre que as circunstâncias o indiquem
como o meio adequado. Só nesta qualidade se legitima a ação do Estado.” Deu
para entender a base real de quem procura estabelecer diferenças de natureza
moral em política, certo? Ela explica mistérios de nossos paladinos da ética —
a começar pelo mensalão PSDB-MG, que até hoje não foi sequer julgado.
Vivemos num país onde o
dinheiro de empresas privadas tornou-se o principal combustível das campanhas
eleitorais — de todos os partidos. É natural, portanto, que os recursos de
empresas com interesses no Estado — como empreiteiras, por exemplo — sejam
destinados a políticos e partidos que possam prestar serviços úteis.
E se você acreditou na lorota
de que só o PT tem condições de retribuir pelos recursos que recebe, porque
possui o cofre federal, é bom saber que a Constran, empresa do grupo UTC, é uma
das rainhas de obras no Estado de São Paulo. Participou de quatro linhas do
metrô — azul, vermelha, verde e lilás — obra lendária por denuncias eternamente
paralisadas.
Em 2013, o governador Geraldo
Alckmin inaugurou uma penitenciária em Cerqueira Cezar, interior do Estado.
Obra da Constran.
Nada disso torna Aloyizio Nunes
Ferreira nem Julio Delgado culpados de qualquer coisa. Da mesma forma que a
revelação de que Aloizio Mercadante, que recebeu doações eleitorais da UTC em
2010, não pode ser vista como prova de mau comportamento.
Não custa lembrar que, entre
2007 e 2013, petistas e tucanos receberam a maior parte das contribuições
financeiras das empresas denunciadas na Lava Jato.
Isso porque ambos atuam no
mesmo jogo onde as regras são essas.
Só é complicado querer aplicar
uma espécie de seletividade moral entre uns e outros.
Quando a Câmara de Deputados
teve a chance de modificar a legislação de financiamento de campanha, proibindo
o pagamento de empresas privadas, a bancada inteira do PSDB apoiou o projeto de
Eduardo Cunha que constitucionalizava doações de pessoas jurídicas. Numa
primeira votação, a maior resistência foi exibida por dois parlamentares que se
abstiveram. Na segunda votação, eles foram enquadrados e votaram com a maioria.
(O mineiro Julio Delgado votou contra o financiamento de empresas).
Enquanto isso, ao lado do PSOL
e do PC do B, bancada do PT liderou o esforço para tentar proibir contribuições
privadas. Chegou a bater as portas do Supremo para tentar anular a segunda
votação, favorável as empresas, mas que feria uma cláusula constitucional.
O episódio, ocorrido há exatamente um
mês, mostra que, em vez de julgamentos morais, é mais produtivo perguntar: quem
se colocou do lado certo quando surgiu uma oportunidade única para fechar a
principal porta de entrada da corrupção em nosso sistema político?
Paulo Moreira Leite - Brasil247
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