Em seu terceiro turno sem fim, o senador Aécio
Neves (PSDB-MG) fez um dos mais levianos gestos de sua carreira política, ao
anunciar processo por extorsão contra a presidente Dilma Rousseff e o ministro
Edinho Silva, a partir da delação premiada de Ricardo Pessoa; quem argumenta é
o jornalista Paulo Moreira Leite, que vê indícios até de denunciação caluniosa;
"Não custa observar que até agora o senador não se dispôs a esclarecer as doações
feitas pelo empresário-delator à campanha de Aloysio Nunes Ferreira, em 2010,
quando ele concorreu ao Senado. Aécio também poderia olhar para o próprio cofre
já que, no ano passado, Pessoa lhe deu R$ 1,2 milhão a mais do que para Dilma.
Eis aí um fato bom de esclarecer", diz PML; leia a íntegra
Num país que
enfrenta as dificuldades que todos enxergam, a melhor idéia de Aécio Neves para
ganhar as manchetes do dia foi ir até a Procuradoria Geral da República
apresentar uma representação contra a presidenta Dilma Rousseff e contra o
ministro Edinho Silva, da SECOM em função da delação premiada do empreiteiro
Ricardo Pessoa.
O argumento de
Aécio para bater à porta da PGR é pesado. Diz que na delação de Pessoa “há uma
clara chantagem. Ou ele aumentava as doações ao Partido dos Trabalhadores e à
campanha da presidente da República ou ele não continuava com suas obras na
Petrobras”. Segundo Aécio, apenas a presidente “teria condições de efetivar
essa chantagem.”
Não custa observar
que até agora o senador não se dispôs a esclarecer as doações feitas pelo empresário-delator
à campanha de Aloysio Nunes Ferreira, em 2010, quando ele concorreu ao senado.
Na época, Pessoa havia acabado de comprar Constran, empreiteira que tem um
imenso canteiro de obras milionárias justamente em São Paulo, estado que é o
berço político de seu candidato a vice em 2014.
Aécio também
poderia olhar para o próprio cofre já que, no ano passado, Pessoa lhe deu R$
1,2 milhão a mais do que para Dilma. Eis aí um fato bom de esclarecer.
A experiência
ensina que doações de empresas privadas sempre são difíceis de entender e
desagradáveis de explicar, o que faz o autor dessas linhas estar 100%
convencido de que nosso sistema político andará muito melhor quando acabar com
elas. No fundo, ninguém consegue ficar bem na foto com esse sistema, que admite,
essencialmente, dois caminhos.
Se o candidato faz
força para receber, pode ser acusado de chantagem, como VEJA diz que Pessoa
disse na delação premiada.
Mas: e se o
candidato não faz nada, e mesmo assim o dinheiro entra numa boa, na conta, só
com uma piscadinha de ôlho. Como se justifica isso? São amiguinhos? É bom para
o país? Um candidato que recebeu 15% a mais do que a rival, como Aécio, é
melhor ou pior do ponto de vista do cidadão comum?
Qual o lado em que Aécio prefere estar?
Qual o lado em que Aécio prefere estar?
Há outras dificuldades.
A delação de Ricardo Pessoa não foi liberada pela Justiça e permanecerá em
segredo, muito provavelmente, até o momento em que a denúncia for apresentada.
Hoje, ninguém sabe
— e se sabe não pode provar que sabe — qual seu conteúdo integral. Até haver
uma autorização da Justiça, quem divulgar a delação, pode ser enquadrado em
crime.
Caso Aécio tenha
apresentado uma denúncia cujo teor real desconhece, apenas com base em
informações de terceiros, pode ser enquadrado no “delito de denunciação
caluniosa,” que pune a pessoa que tenta abrir inquérito a partir de uma
denúncia sabidamente falsa. A pena prevista, no caso, é de 2 a 8 anos de
prisão, mais multa.
Em qualquer caso,
ninguém pode sair ganhando com uma denúncia cujo teor integral desconhece ou,
na melhor das hipóteses, não pode revelar. Não custa lembrar que o ex-ministro
Cid Gomes foi capa de revista em função de um suposto envolvimento na Lava Jato
— até que se descobriu que a historia não tinha fundamento. Outro episódio
entrou para os anais da Lava Jato como o “caso Bosta Seca”, envolvendo o
conflito de versões entre o doleiro Alberto Yousseff e o delator Paulo Roberto
Costa em torno de uma remessa de R$ 1 milhão que teria sido enviada — ou não —
para Antônio Palocci.
Isso acontece
porque a delação premiada, base da representação de Aécio a PGR, pertence
aquele universo de sombra entre a verdade e a mentira, como explica o
criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, em artigo publicado na edição
de hoje do 247: “O encarcerado, com apoio na verdade ou falseando¬-a, passa a
acusar companheiros de empreitada criminosa e a narrar situações ilícitas até
então desconhecidas. É óbvio que a sua conduta não é inspirada por motivos
ligados ao civismo, à cidadania, ao interesse público ou a quaisquer outros nobres
sentimentos. Seu interesse imediato é alcançar a liberdade, bem como benefícios
outros que vão desde o perdão judicial até a diminuição da pena e o menor rigor
em seu cumprimento.”
Em função disso,
diz o advogado, “a primeira objeção a ser posta diante do instituto da delação
premiada se refere à insegurança jurídica que é por ele gerada.”
Pode-se acrescentar que, num país
onde a legislação exige que a delação seja inteiramente “voluntária,” é
duvidoso imaginar que o relator da Lava Jato, ministro Teori Zavaski, irá
referendar denúncias obtidas num regime “medievalesco,” palavra que empregou
para abrir os cárceres de Curitiba para nove executivos e empresários
aprisionados por mais de cinco meses. Isso explica porque um criminalista
experimentado como Mariz alerta para a “insegurança jurídica” que a delação
pode gerar.
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