Há leis que não precisam estar escritas.
São parte constituinte da natureza humana. Estão gravadas na nossa alma, ou, se
quiserem, no nosso DNA.
Os modernos as consideram os elementos que constituem o direito
natural. Os antigos as chamavam de leis divinas.
São leis que estão acima das leis escritas pelos homens, das
interpretações jurídicas conjunturais e, sobretudo, dos humores dos poderosos
de plantão.
Sófocles, em Antígona,
foi quem melhor traduziu a superioridade da lei natural, assentada na Justiça,
da lei positiva, assentada no Poder.
Na peça, Antígona desafia o terrível rei Creonte, que havia
proibido o enterro de Polinice, irmão da protagonista principal da tragédia.
Ela tenta enterrar seu irmão, conforme determina o costume
religioso, a lei divina. É presa e condenada à morte por Creonte.
Numa das grandes passagens da literatura mundial, Antígona
contesta a legitimidade da decisão de Creonte:
“( …) e a Justiça, a deusa que habita com as divindades
subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que
teu édito tenha forças bastante para conferir a um mortal o poder de infringir
as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis (…)”
De fato, o enterro e as cerimônias funerárias, que os antigos
gregos incluíam nas leis divinas, são indicativos da nossa humanidade.
Antropólogos consideram que um dos indícios do surgimento da
humanidade é justamente o costume de enterrar e reverenciar os mortos.
As cerimônias funerárias fazem parte do sagrado, de algo que é
profundamente humano. Por isso, elas são universais e transcendem culturas,
épocas e leis.
Creonte, ao impedir cruelmente Antígona de enterrar seu irmão,
afronta o humano e a justiça, e demonstra um poder que não tem nenhuma
legitimidade.
Pois bem, o Brasil neofascista de hoje está cheio de “creontes”,
autoridades que, embora poderosas, sofrem de nanismo moral e carecem de senso
de humanidade e justiça.
O impedimento de Lula velar seu irmão equipara-se à crueldade
abjeta de Creonte contra Antígona.
Com um sério agravante: a lei brasileira, a lei escrita, dava ao
melhor presidente da nossa história o direito de fazê-lo.
Mesmo assim, nossos “creontes” inventaram “problemas logísticos”
para impedir que a lei natural e a lei escrita fossem cumpridas.
Estranhamente, esses problemas logísticos não se manifestaram
quando Battisti foi preso na Bolívia. De imediato, a PF enviou um jatinho para
recolhê-lo.
Ademais, o PT ofereceu todo o transporte e a logística para
levar Lula até São Bernardo. Em vão.
Os “creontes” afirmaram que havia “risco de fuga”. Como Lula, um
homem de mais de 70 anos, e figura internacionalmente conhecida, poderia
escafeder-se é mistério insondável.
O que não é mistério insondável é que o medo não era com uma
possível fuga de Lula. O medo era, é e será com o que Lula representa.
Lula representa tudo o que eles odeiam mais.
Lula é aquela pobre criança do sertão nordestino que deveria ter
morrido antes dos 5 anos, mas que sobreviveu.
Lula é aquele miserável retirante nordestino que veio para São
Paulo buscar, contra todas as probabilidades, emprego e melhores condições de
vida, e conseguiu.
Lula é aquele candidato que não devia ter chegado ao poder, mas
chegou.
Lula é aquele presidente que devia ter fracassado, mas teve
êxito extraordinário.
Lula é o excluído que devia ter ficado em seu lugar, mas não
ficou.
Lula simboliza a possibilidade de um outro mundo, de um outro
Brasil.
Lula é a ideia de um mundo justo e a esperança de um país
melhor.
Para eles, Lula não deveria existir, mas existe.
Daí o ódio, daí a perseguição incessante e a cruel lawfare.
É o mesmo ódio que animava Creonte.
Na peça de Sófocles, Creonte afirma que nunca um “inimigo” lhe despertará empatia, mesmo após a morte.
Em resposta, Antígona exclama que não nasceu para partilhar de ódios, mas apenas de amor.
O medo leva ao ódio, que, por sua vez, leva à crueldade e à
indecência.
McCarthy, um Creonte moderno, fez toda sua carreira baseada no
medo e no ódio aos “comunistas”, assim como hoje muitos fazem carreira no
Brasil com base no medo e no ódio a Lula e ao PT.
Nessa cruzada, McCarthy, como acontece agora no Brasil,
atropelou a justiça, o humano e todos os direitos, escritos e não escritos.
Chegou ao seu fim, um fim solitário, quando enfrentou o advogado
Joseph Welch, que defendeu o Exército norte-americano de acusações de
“infiltração comunista”.
Ante a acusação de que um dos auxiliares de Welch era um
“comunista”, o grande advogado pronunciou sua fala imortal:
“Até o momento, senador, acho que não havia conseguido
medir bem sua crueldade ou sua irresponsabilidade. Não vamos mais continuar a
assassinar esse rapaz, senador. O senhor já fez o suficiente. Afinal, o senhor
não tem senso de decência? ”
Creio que, ante essa absurda proibição de Lula velar seu irmão,
aqueles que têm um mínimo de consciência e humanidade puderam medir a
crueldade, o ódio e a desumanidade dos nossos “creontes”.
Só resta perguntar, como Joseph Welch, afinal, vocês não têm
decência?
Obs. A decisão de Toffoli não mudou nada. Foi tardia e ainda impôs que Lula ficasse enclausurado numa unidade militar. É ainda mais
indecente.
Viomundo


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