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Crônica: Justiça Divina

7/19/2010

Aparentavam não ter mais que 60 anos, os dois. Se bem que é possível que já tenham ultrapassado essa faixa de idade, mas conservavam no rosto a aparência rejuvenescida, o que é comum nos afrodescendentes. Mesmo assim, quando entraram na lanchonete onde eu estava pareciam um casal de namorados. Não pela troca de carinhos e palavras elogiosas, mas pela birra dos dois em plena manhã de segunda-feira. Qual o casal de namorados que nunca criou birra um com o outro, trocando palavras e lembranças indigestas? Pois bem, foi assim que surgiram no local, logo após eu terminar de ser atendido e me preparar para iniciar meu lanche.


Eu havia parado ali, não muito pela fome, mas porque precisava trocar uma nota de dez reais que tinha no bolso. O problema é que precisava pegar o plano inclinado para chegar da cidade baixa ao meu local de trabalho. Pedir que cobrassem em dez reais a tarifa de quinze centavos poderia parecer uma espécie de golpe, sabedoria de malandro que queria era passar de graça... como não queria correr esse risco, resolvi comprar algo na lanchonete.
Como o lugar era público (e pequeno), não pude deixar de ouvir a discussão do casal. E mesmo que não quisesse, seria difícil ignorar. Falavam tão alto que os detalhes da história poderiam ser ouvidos até de dentro dos navios, lá no porto. Não deviam mesmo ser namorados, nem mesmo noivos. Mas com certeza viviam (ou viveram) um relacionamento. O homem, exaltado e cheio de razões, era o que falava mais alto:


- Acho melhor acabarmos com isso logo! Você não me deve, nem eu te devo nada – falava em voz solene.


A mulher, mais serena, mas nem por isso menos imperiosa, reagia cobrando dele a atenção financeira que ele parece ter distribuído com outras companheiras:


- Nunca te cobrei nada e você nunca deu a mim que dava às outras!


Toda discussão girava em torno de um colchão que custaria para o homem não mais que cem reais. Mas ele considerou aquele valor absurdo e além de suas possibilidades:


- Não tenho esse dinheiro agora – repetia, querendo que a mulher desistisse da compra.


- Mas você pode comprar parcelado. Só estou pedindo, porque preciso – falou a senhora, apontando uma solução que para ela parecia razoável.


Para ele, no entanto, pareceu uma afronta que ela não houvesse se convencido de suas dificuldades:


- Sabe de uma coisa – disse como se fosse um ultimato – não vou comprar nem agora nem nunca. E se você quiser, vá reclamar seus direitos na justiça!


Sem alterar seu tom de voz, o que certamente tornou a frase mais incisiva, a mulher respondeu:


- Eu vou te entregar é à Justiça Divina, essa sim vai te dar o que merece.


Os longos segundos de silêncio me deram a exata noção do impacto que teve aquela frase. Ele deve ter pensado: “Agora ela jogou pesado... me entregar à Justiça Divina!?” O que se ouviu depois foi a mais contundente prova da eficiência dessa Justiça que não falha, não tarda e de quem nada se pode esconder:


- Esse colchão custa cem reais? vou de dar aqui trezentos... aliás, tome logo quatrocentos e compre logo uma cama nova.


Apesar da curiosidade, nem cheguei a esperar pelo desfecho da conversa. Nem sequer notei se a mulher recebeu o dinheiro, quatro vezes maior que o que havia pedido. Peguei meu troco e subi o plano inclinado refletindo sobre o peso daquela afirmação e como ela funciona todas as vezes em que se apela, com razão, para a sabedoria do Juiz Supremo.

1 comentários:

LÍDICE SANTOS disse...

OI LUIZ!!!
PERFEITA CRÔNICA, E A MENSAGEM QUE PASSOU EU DESEJO QUE TENHA ATINGIDO OS CORAÇÕES DE QUEM MERECE!!!
QUE A JUSTIÇA SEJA UMA ESPERANÇA VIVA NA NOSSA QUERIDA XIQUEXIQUE, E QUE AS PESSOAS DE BEM ESPALHEM BONS VENTOS DE PAZ E FRATERNIDADE, POIS PRECISAMOS DE DIAS MELHORES.
COMO DIZEM POR AÍ " A JUSTIÇA DIVINA TARDA MAS NÃO FALHA..."!
E EU ACREDITO NISSO!
UM ABRAÇO

19/7/10 15:11

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