Desistí de São Paulo

Imaginei-me na estrangeira terra da garoa poluída, como imigrante legalizado, talvez a exercer o ofício de bedel na faculdade de direito do Largo de São Francisco, ou de entregador de pizza, numa cantina italiana da Rua da Consolação ou do bairro do Bexiga.
Seria recepcionista de bordéis nas quebradas decadentes da Rua Augusta.

Dilma Rousseff, contudo, será eleita, porque está escrito, ao peso dos nossos votos nordestinos, com as bênçãos do nosso ícone, o operário-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Em razão disso, desisti de emigrar da Bahia para São Paulo.
A arrogante classe média paulista e os urbanóides da Avenida Paulista, lastimam a minha ausência. De esguelha, permanecem estáticos, saboreando os seus dois pastel com champagne veuve clicquot, adquiridos nas feiras paraguaias do Anhembi.

Os nobres paulistas, sem entradas nem bandeiras, descendentes de Borba Gato e da Marquesa de Santos, consumidores vorazes de escargots e de caviar à moda Zeca Pagodinho, foram recepcionados na Vila Nova Conceição ou nos Jardins pela filha do candidato derrotado, com o obstinado assessoramento do personal chef do Palácio dos Bandeirantes.

Revelaram-me, inclusive, que a emblemática Daspu, com filiais nos mercados de Itaquera e de São Miguel Paulista, estaria destinada à extinção se, porventura, o resultado eleitoral fosse convertido em ousados voos Tucanos, pelo Brasil afora. Nesta hipótese, as beldades, top models, da Daspu desfilariam, tão-somente, nos red lights da periferia da zona leste paulistana.

Um parente meu, ainda residente na desvairada paulicéia tucana, trabalhador do ABC, eleitor confesso do ex-retirante Tiririca, está a planejar o seu retorno para Xiquexique, buscando fixar residência no aprazível bairro dos Paramelos, reduto intransponível dos nossos companheiros de pescarias no Velho Chico.
Da última vez que aqui esteve passou incólume, sem burocracias, pela alfândega do Rio Verde.

No entanto, teve amnésia ao chegar a Xiquexique.
Esqueceu-se de que mandi tem esporão e que nesta beirada de rio, piranha é peixe carnívoro em extinção e que caris e traíras pululam aqui e alhures.


Nilson Machado de Azevedo
nilsonazevedo@globo.com