Quem vive às margens do rio São Francisco ou da Ipueira de Xiquexique e usa as suas águas na faina diária, acredita que o rio dorme, fica imóvel em certos trechos e tudo parece estático, frio como um espelho. O cenário é de pura magia.
O rio São Francisco dorme, deveras.
À noite quando ele adormece, simplesmente deixa de correr. As cachoeiras não se precipitam. As corredeiras aquietam-se. Os peixes ficam mudos e acomodam-se nas profundezas. Toda a vida fluvial perde instantaneamente o seu pulsar, o seu movimento. Jamais se pode acordar o rio. Nesses momentos não se deve beber de sua água. É necessário esperar o seu despertar.
Os beiradeiros não sabem, não tem certeza, qual é o dia e a hora em que o rio dorme: uma vez a cada ano, à meia noite – afirmam alguns. Outros dizem que o sono do rio dura apenas alguns minutos, mas acontece todas as noites. Quando o Velho Chico adormece, a Mãe d’Água vem à tona e, em silêncio, sentada nas “crôas” penteia seus longos cabelos.
Às vezes o rio se invoca e dorme em noite de lua cheia. Nesse ínterim, não se pode despertá-lo, pois, se assim o for, as águas se enfurecem virando canoas, paquetes e batelões, inundando as terras. Não se deve, portanto, desrespeitar, no plenilúnio, o leve sono das águas sagradas do velho chico.
Quando o rio dorme até o nêgo d’água se acalma e, momentaneamente, deixa de mascar fumo e beber cachaça. As almas dos afogados sobem aos céus, os peixes param no fundo do rio e ficam mudos, as cobras perdem o veneno.
No entanto, contrariando os mistérios do rio, a Ipueira de Xiquexique acorda. Nesse instante, o povo beiradeiro, por via das dúvidas, reza o Ofício de Nossa Senhora.
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