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A 14 de
maio deste ano vi, na GloboNews, a entrevista concedida por Alberto da Costa
e Silva, nosso maior especialista em África, a Miriam Leitão. Notei esta
disparidade: o entrevistado utilizava sempre a palavra “negros”, enquanto a
jornalista dizia “afrodescendentes” ao se referir à parcela da população
brasileira derivada de africanos, como é o meu caso (embora não aparente).
Sempre
impliquei com a expressão “afrodescendente” ou “afrobrasileiro”. Simples:
nunca ninguém me chamou de “eurodescendente” ou “iberodescendente” ou
“lusodescendente”.
Eufemismos
servem, em geral, para tentar encobrir preconceitos. Lembro da tia que se
referia à cozinheira como “aquela moça escurinha”...
Caso similar é o
vocábulo “velhos”, para se referir a idosos. Sou um deles. E abomino essa
mentira eufemística de “melhor idade” ou “terceira idade”. A usar eufemismo,
prefiro ser chamado de “seminovo”, como os carros velhos expostos em
revendedoras de veículos. E me sinto na turma da “eterna idade”, já que
cronologicamente estou mais próximo dela...
Não há
palavras neutras, há quem ignore o significado e a carga simbólica que elas
contêm.
Afrodescendente
é expressão usamericana criada para deixar claro que os negros dos EUA não
são naturais do país. São imigrantes e filhos de imigrantes, gente “de fora”,
lá da longínqua e atrasada África. E ali são tolerados, desde que reconheçam
que não são iguais aos ianques, são seres inferiores, sub-raça. Diga-se de
passagem que os EUA batem o recorde mundial de prisioneiros: 2,3 milhões,
dos quais 1,5 milhão são negros.
Baseado em
Galeano (que se inspirou em Senghor), registro esta parábola: o
professor chamou o aluno negro de "moço de cor". Este não se fez de
rogado: "professor, de cor são o senhor e meus colegas. Nasceram
rosados, ficaram brancos, adquirem pele vermelha quando se expõem na praia;
tostada, quando se queimam ao sol; amarela, quando têm hepatite; e roxa,
quando falecem. E eu é que sou de cor?”
O
preconceito avança vocabulário adentro: “denegrir” significa “enegrecer”,
rebaixar uma pessoa à condição de negro.
Isso não
quer dizer que eu defenda o “politicamente correto”. Quando não se vê
horizonte na conjuntura, como hoje no Brasil, admito que a situação “está
preta”, ou seja, no escuro nada se enxerga. E considero patrimônio nacional a
canção de Rubens Soares e David Nasser: “Nega do cabelo duro, qual é o pente
que te penteia?”
Pena que os
negros, ao menos aqui no Brasil, não deem o troco devido aos brancos. Jean
Genet, em uma de suas peças teatrais, faz o ator negro cessar os movimentos
no palco, encarar a plateia francesa e exclamar: “Que cheiro horrível! Cheiro
azedo de branco!”
No Brasil,
a discriminação racial se disfarça pelo fato de a maioria negra ainda ser
pobre. Sonho com o dia em que ninguém será identificado pela cor da pele.
Pois a biologia já provou que não existem raças. Existem apenas diferenças de
coloração epidérmica. Somos todos seres humanos intrinsecamente dotados de
dignidade e sacralidade.
Frei Betto
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