Lula narra com
detalhes os momentos em que foi preso, no dia 17 de abril de 1980, “às seis da
manhã”. “Na minha casa estavam o Geraldo Siqueira (companheiro de militância e
posteriormente um dos fundadores do PT) e o Frei Betto (escritor)”, conta.
“Quando eles [os militares] bateram na porta, o Frei Betto falou ‘olha, a
polícia tá aí’. Aí eu saí na porta, não tinha nem lavado o rosto ainda, e disse
‘espera, que eu vou me trocar’, e eles ‘não podemos esperar”, contou. “Eu
voltei para dentro de casa e fui me trocar. Vou fazer o que?”, disse, rindo.
Lula conta,
aparentemente sem traumas, que se sentiu “salvo” no caminho para o Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS), no centro de São Paulo. “Era uma madrugada
com muita cerração, e pela primeira vez eu tive medo, porque eu dizia ‘não
custa nada eu aparecer morto na Anchieta e parecer um troço qualquer’”, conta,
insinuando que seria fácil simular uma morte acidental sob aquelas condições.
Ouviu no rádio do carro que o levava à prisão a notícia de que o presidente do
Sindicato acabara de ser preso. E ficou aliviado. “Aí eu disse ‘tô salvo’”.
Os depoimentos que
deu à polícia na época da prisão, diz, foram todos por escrito. “Não tinha
ninguém pra me fazer pergunta. O Tuma me dava as perguntas por escrito e eu
ficava sozinho respondendo”, narra. Ao longo dos 31 dias de prisão, Lula diz
ter feito uma assembleia com os investigadores, “expliquei que eles não podiam
usar relógio caro [se quiserem reivindicar aumento] senão não iam acreditar que
eles ganhavam mal”, contou, rindo.
Embora fosse contra,
participou de uma greve de fome por seis dias. “Eu achava que judiar do meu
próprio corpo não era comigo, mas o pessoal [13 presos no total] decidiu e
entramos em greve de fome”, conta. “O Tuma entrou na cela e fez um escarcéu,
dizendo que a partir daquele momento, não ia ter nenhum tratamento especial,
que ia tirar o rádio, suspender os jornais...”, conta. “Fez o discurso dele, o
rádio estava ligado, ele foi embora e o rádio continuou ligado”, disse, rindo,
mais uma vez.
Lula não foi
torturado. Tampouco sofreu pressão psicológica ou teve sua família apreendida
pelo regime, como ocorreu com muita gente. Para ele, foi “uma burrice” os
militares terem o prendido. “[a prisão] foi uma motivação a mais para a greve
continuar”, conta. “Mas foi uma lição de vida”, diz. “Morreram trabalhadores,
mas para a luta, valeu”.
Embora tenha sido sob seu Governo (2003 – 2011) que muitos dos arquivos
da ditadura foram abertos, Lula acredita que ainda “deve ter muita coisa nas
mãos de alguém”. Em tempos em que uma parcela da população foram às ruas pra
pedir intervenção militar, o petista diz que é preciso cautela para tratar do
tema. “É preciso tratar disso com o carinho que o tema exige”, disse. “Não
estamos vivendo tempos fáceis”.
El País

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