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CRÔNICA DA INVOLUNTÁRIA LINGUA SOLTA

1/15/2018



Passei a notar com mais atenção a um  fenômeno, puxado  pela Rede Globo, que até no interior aqui da Bahia estão a achar extremamente chique pronunciar a letra “é” com o som fechado “ê”, imitando os brasileiros do Sudeste e  sulistas de origem italiana, alemã e espanhola.

Isso me fez esboçar uma reflexão, depois de ler reportagens e  alguns  estudos acadêmicos  sobre o tema.
Pois bem.
Quase todo brasileiro aprendeu a pronunciar as vogais do velho ABC assim: A, É, I, Ó, U. 

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Mas hoje em dia, especialmente na Rede Globo e nas vozes da propaganda, e especialmente em São Paulo e periferias, se você não chamar o “é” de “ê” e até mesmo o “ó” de “ô” faz feio, caso não seja  você um intelectual nordestino, reconhecido nacionalmente.
Não contentes com a mudança da letra isolada, para serem coerentes, eles  mudaram também a pronúncia do “é” nas palavras.


Essas pessoas não querem mais dizer “éducação”  e  sim “êducação”. República, com “é” bem aberto que vem das palavras latinas res publica, com o “e” de res bem aberto, só deve ser pronunciada “rêpública”, para ser chique. Mesmo que para isso o fôlego necessário para fazer a aspiração fechada seja maior, deixando a conversação mais cansativa.
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As sucessivas reformas ortográficas da língua portuguesa vêm facilitando essas “chiquezas”. Houve tempo em que “e” aberto tinha quase sempre o acento agudo “ ´ ” para diferenciar do “e” fechado que tinha o acento circunflexo “ ^ “. 

Mas as reformas ortográficas foram abolindo esse chamado acento diferencial. A reforma de 1971 (Lei 5765/71 do General Médici) é a principal responsável pela extinção do acento.
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Recentemente tivemos nova reforma que reduziu mais ainda o uso de acentos diferenciais. O objetivo alegado sempre foi o de simplificar a escrita, nunca o de mudar a pronúncia das palavras.
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Entretanto o que vemos hoje é uma avalanche de ê-falantes no português do Brasil.Tenho  a impressão de que cada repórter, cada locutor, cada propaganda na TV e no rádio vai diariamente para a frente do espelho treinar falar “ês” fechados para não cometerem gafes. E que temos fonoaudiólogas da Globo em todos os estúdios treinando os repórteres a falar “chique” com “ê” fechado.
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A regra é ouvirmos:

Êlêtrônicos (embora ainda não ousem chamar elétrons de êlêtrons).
Êspêcial (embora não possam chamar espécie de êspêcie).
Êlêtricidade, êlêtricista, êlêtrizante, (embora não ousem pronunciar êlêtrico em vez de elétrico).
Cêlular (embora ainda pronunciem normalmente célula).
Nôrmal (embora ainda pronunciem norma com “ó” aberto).
Sêxual (embora não tentem mudar a pronúncia de sexo, de “é” para “ê” por ficar ridículo).
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Acabo de ouvir o repórter pernambucano Gerson Camarotti, da Globo News, tascar um “aprêssar”, chiquérrimo, pena que não se pode falar prêssa, por ficar estranho. na TV Globo, é corriqueiro soltar um “mistêrioso” no ar, palavra que aparentemente se origina de “mistério”. O mesmo Camarotti se refere ao atual governador do Rio de Janeiro como “Pêzão”. Falta chamar o presidiário Sergio Cabral de “Sêrgio”.

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Antigamente, na época de Cid Moreira e Sérgio Chapelin, o Jornal Nacional era anunciado assim: jórnal nacional. Agora o apresentadores  dizem: jôrnal nacional, jôrnal hoje, enfatizando bem o “ô”. Gente fina fala assim.
 Lembro-me que um jovem repórter fez uma matéria em um sítio de quilombolas para um programa de esportes de uma emissora de TV do Sudeste. Ele perguntava aos quilombolas: você já ouviu falar de Pêlé?  

Ouvindo isso, fiz uma retrospectiva mental tentando lembrar-me  se em algum lugar do Brasil ou do exterior, nas TVs e nos rádios, eu já ouvira alguém pronunciar o famosíssimo nome de Pelé com o primeiro “é” fechado. Nunca. Sempre o que se escuta é Pélé.
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Na língua portuguesa – na verdade em todas as línguas românicas - há o fenômeno histórico chamado metafonia. Na formação de plurais (olho -  ólhos; corpo -  córpos; ôvo  - óvos; porto - pórtos, etc).
Em conjugações verbais (dêver: eu dêvo, tu déves, ele déve, nós dévemos, vós dêveis, eles dévem), etc.  Em alemão há o fenômeno do Umlaut que é similar ao da metafonia. Alguns plurais se formam acrescentando um ä  que corresponde ao som da letra “é”, aberta.

No Brasil parece que fazemos uso mais equilibrado dos dois sons. Sempre tivemos bolsões de ê-falantes, especialmente no estado de São Paulo e nos estados do Sul, em regiões de forte imigração italiana, alemã e de língua espanhola (fronteiras com países falantes do espanhol). Mas eles eram minoria e bem delimitados.
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O problema parece ter começado com as fonoaudiólogas da Globo e parece ter realmente se avultado quando a “elite” brasileira força a se  descobrir como melhor que o resto da população do país. Arvoram-se mais rica, mais bonita, mais europeia. ( A Europa acima do bem e do mal).


Esses arrogantes e ingratos   desprezam até as suas raízes nordestinas,  embora sejam eles filhos e  netos de nordestinos. E aí tão somente a psicanalise da linha freudiana para explicar.

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Para arrematar, lembro-me, ainda, que o então candidato paulista Geraldo Alckmin, querendo os votos dos milhões de nordestinos que têm domicílio eleitoral no estado de São Paulo, colocou no ar uma ridícula  propaganda que emitia  uma voz nordestina falando, totalmente estereotipada, com todos os sons abertos, os “t” e os “d” sempre linguodentais, e essa voz ao falar PT dizia Pé-Tê.  Ora, ninguém no Brasil fala PT assim. Desconheço quem pronuncie no Brasil a letra “p” como “pé”.  Mas achei isso uma prova sensacional da politização fascista dessa questão linguística, sempre em involução.


Parece que os bregas do Sul/Sudeste do Brasil estão conseguindo fazer uma metafonia ao contrário: agora tudo que é aberto vai se tornar fechado.






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