O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido de um juiz de direito do Rio de Janeiro a reivindicar que a Justiça obrigue os funcionários do prédio onde ele mora a chamá-lo de "senhor" ou "doutor", sob pena de multa diária.
Lewandowski entendeu que, para atender o pleito do magistrado, teria de reanalisar as provas do processo, o que não é possível ser feito no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal.
O magistrado, Senhor Doutor Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, entrou com esta ação em 2004, portanto há dez anos, e o caso chegou ao Supremo no mês de abril de 2014. Segundo o site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), o juiz autor do processo atua na 6ª Vara Cível de São Gonçalo, Região Metropolitana da capital fluminense.
Na ação judicial, o referido juiz argumenta que foi chamado pelo porteiro do condomínio de "você" e de "cara" e que ouviu a expressão "fala sério" após ter feito uma reclamação. Segundo o processo, o apartamento do magistrado foi alagado, ou inundado, por erro do condomínio, mas o funcionário não o tratou com respeito ao falar sobre o caso.
Além do pedido que exige o tratamento de "senhor" ou "doutor", o magistrado quer que o condomínio seja condenado a pagar indenização por danos morais de 100 salários mínimos (atualmente, o valor seria de R$ 70 mil) pela inundação no apartamento.
Em 2004, quando o processo iniciou, o magistrado obteve uma liminar (decisão provisória) que obrigava os funcionários a chamá-lo de "doutor" e "senhor".
Mas, ao analisar o processo, em 2005, o juiz da comarca de Niterói, Alexandre Eduardo Scisinio negou o pedido. Ele entendeu que, apesar de compreender o "inconformismo" do colega, o pleito não tinha sentido porque o termo "doutor" não é pronome de tratamento, mas título acadêmico de quem faz doutorado.
Além disso, sobre o uso de "senhor", o juiz entendeu que não "existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio" de utilizar o termo.
"O empregado que se refere ao autor por 'você' pode estar sendo cortês, posto que 'você' não é pronome depreciativo. [...] Na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso, se diz que a alternância de 'você' e 'senhor' traduz-se numa questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil. Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero", escreveu o juiz que analisou o caso na primeira instância.
Houve recurso de apelação para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que rejeitou de novo o pedido. Foi apresentando, então, recurso extraordinário, em 2006, com a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal porque, conforme o acatado requerimento da defesa, a questão é constitucional e se refere ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da igualdade, ambos previstos na Constituição Federal.
Aos leitores do A VOZ, relembro que no século XVII, Gregório de Matos, famoso literato, poeta e advogado baiano, ao defender um alferes acusado de tratar de forma desrespeitosa o Juiz de Igarassu, ao chamá-lo de vós, na então capitania de Pernambuco. Ganhou a causa, ao peticionar à Corte Superior, argumentando com esses versos:
"A El Rei trata-se por vós,
a Deus trata-se por tu,
como trataremos nós
o Juiz de Igarassu:
o Juiz de Igarassu:
Tu ou vós, vós ou tu?"
Fontes: A Voz e G1
Fontes: A Voz e G1
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