Nos dias de feira livre participei, como empolgado
espectador, das rodas em torno dos propagandistas do óleo de peixe elétrico, do
homem da "mala da cobra", dos cegos violeiros, dos repentistas de
literatura cordel, exímios comunicadores populares do sertão.
*
Na feira semanal surgia o palco no chão de terra
batida ao redor do Mercado Municipal, a improvisada ribalta iluminada pelos
raios do sol da beira do rio, quando as atenções se voltavam para os afamados
artistas do povo, os mascates graduados na filosofia e marketing de pílulas
milagrosas para tirar lombriga, curar mau-olhado, frieira, hemorródias,
espinhela caída, ressaca, quebranto e dor de corno, dor muito comum em
longínquos anos do Século passado.
*
No mesmo segmento, havia as mezinhas compostas do
princípio ativo da catuaba para curar fastio sexual e seus efeitos colaterais,
objeto de galhofas, piadas e dichotes, além dos delatores, dedos-duros, dos
potenciais pacientes consumidores vorazes das pílulas divulgadas pelos
mascates, propagandistas e marreteiros profetas, precursores da pílula viagra e
assemelhados.
*
No dia de feira disputavam-se, como até hoje se
disputa, nos botecos e nas precárias barracas erguidas desordenadamente nas
imediações do porto de Xiquexique, as cachaças catuzeira, pitú e 51, raiz de
quebra-facão em infusão na cachaça, vinho de jurubeba, tudo isso com a
possibilidade do acompanhamento de tira gosto de mandi, caboge, curimatá, frito
de carne de bode, bolo brevidade, suspiro e pêta.
*
Na feira de Xique-Xique, conheci repentistas e
divulgadores de folhetos de cordel, dos quais recolhi esses versos em obra de
oito pés:
Gancho de pau é forquilha,
Catombo de pau é nó,
A franga pôs – é galinha,
O fumo ralado é pó,
Peitica cantou é chuva!
Pé de boi é mocotó,
Sumo de cana é cachaça,
Pé de goela é gogó.
*
De um poeta popular, natural de Casa Nova,
pitoresca cidade às margens do lago de Sobradinho, decorei esses versos por ele
recitados, a demonstrar a sua inteligência e espirituosidade, quando todos nós
aguardávamos esperançosos o período das chuvas no sertão, época em que a terra
ardente entra no cio querendo ser fecundada, o poeta barranqueiro versejou essa
obra-prima:
O rio se excita e transborda
Com a bonança das chuvas
Seguindo e fazendo curvas
Num trovejar que o acorda
E um sertanejo recorda
Das agruras do passado
Já sente o solo molhado
Ver o vergel no baixio
O sertão está no cio
Querendo ser fecundado.
*
Mas se existe essa espontaneidade dos repentistas,
a poesia de cordel tem sido usada nas propagandas ou reclames, como se pode
observar na sextilha abaixo, onde se fez, por encomenda, propaganda da
Mercearia do Povo, estabelecimento comercial localizado no bairro do Alto
Cheiroso, em Juazeiro da Bahia:
Aqui nós temos de tudo
Feijão, farinha e cachaça
Tudo que você precisa
Tá no Mercado da praça
Mercearia do Povo
O nosso preço é de graça.
*
Contemplem, com entusiasmo, os versos do poeta
Bastos Tigre, no estilo cordel, criados para divulgar o Rum Creosotado,
“remédio” que se tornou famoso, especialmente por ter sido afixados em bondes
que foram o transporte coletivo comum nas grandes cidades brasileiras em meados
do Século XX:
Veja ilustre passageiro
o belo tipo faceiro que
o senhor tem a seu lado.
E, no entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite
Salvou-o Rhum Creosotado!
Nilson Machado de Azevedo
Nilson Machado de Azevedo
(Especial para o Blog A Voz - Republicação)
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