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NA FEIRA DE XIQUE-XIQUE

11/24/2018



Nos dias de feira livre participei, como empolgado espectador,  das rodas em torno dos propagandistas do óleo de peixe elétrico, do homem da "mala da cobra", dos cegos violeiros, dos repentistas de literatura cordel, exímios comunicadores populares do sertão.
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Na feira semanal surgia o palco no chão de terra batida ao redor do Mercado Municipal, a improvisada ribalta iluminada pelos raios do sol da beira do rio, quando as atenções se voltavam para os afamados artistas do povo, os mascates graduados na filosofia e marketing de pílulas milagrosas para tirar lombriga, curar mau-olhado, frieira, hemorródias, espinhela caída, ressaca, quebranto e dor de corno, dor muito comum em longínquos anos do Século passado.
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No mesmo segmento, havia as mezinhas compostas do princípio ativo da catuaba para curar fastio sexual e seus efeitos colaterais, objeto de galhofas, piadas e dichotes, além dos delatores, dedos-duros, dos potenciais pacientes consumidores vorazes das pílulas divulgadas pelos mascates, propagandistas e marreteiros profetas, precursores da pílula viagra e assemelhados.
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No dia de feira disputavam-se, como até hoje se disputa, nos botecos e nas precárias barracas erguidas desordenadamente nas imediações do porto de Xiquexique, as cachaças catuzeira, pitú e 51, raiz de quebra-facão em infusão na cachaça, vinho de jurubeba, tudo isso com a possibilidade do acompanhamento de tira gosto de mandi, caboge, curimatá, frito de carne de bode, bolo brevidade, suspiro e pêta.
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Na feira de Xique-Xique, conheci repentistas e divulgadores de folhetos de cordel, dos quais recolhi esses versos em obra de oito pés:


Gancho de pau é forquilha,

Catombo de pau é nó,

A franga pôs – é galinha,

O fumo ralado é pó,

Peitica cantou é chuva!

Pé de boi é mocotó,

Sumo de cana é cachaça,

Pé de goela é gogó.
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De um poeta popular, natural de Casa Nova, pitoresca cidade às margens do lago de Sobradinho, decorei esses versos por ele recitados, a demonstrar a sua inteligência e espirituosidade, quando todos nós aguardávamos esperançosos o período das chuvas no sertão, época em que a terra ardente entra no cio querendo ser fecundada, o poeta barranqueiro versejou essa obra-prima:


O rio se excita e transborda

Com a bonança das chuvas

Seguindo e fazendo curvas

Num trovejar que o acorda

E um sertanejo recorda

Das agruras do passado

Já sente o solo molhado

Ver o vergel no baixio

O sertão está no cio

Querendo ser fecundado.
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Mas se existe essa espontaneidade dos repentistas, a poesia de cordel tem sido usada nas propagandas ou reclames, como se pode observar na sextilha abaixo, onde se fez, por encomenda, propaganda da Mercearia do Povo, estabelecimento comercial localizado no bairro do Alto Cheiroso, em Juazeiro da Bahia:


Aqui nós temos de tudo

Feijão, farinha e cachaça

Tudo que você precisa

Tá no Mercado da praça

Mercearia do Povo

O nosso preço é de graça.
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Contemplem, com entusiasmo, os versos do poeta Bastos Tigre, no estilo cordel, criados para divulgar o Rum Creosotado, “remédio” que se tornou famoso, especialmente por ter sido afixados em bondes que foram o transporte coletivo comum nas grandes cidades brasileiras em meados do Século XX:


Veja ilustre passageiro

o belo tipo faceiro que

o senhor tem a seu lado.

E, no entanto, acredite,

Quase morreu de bronquite

Salvou-o Rhum Creosotado!




Nilson Machado de Azevedo






(Especial para o Blog A Voz - Republicação)



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